sexta-feira

Espírito Santo um Estado "Satélite"


Meus caríssimos amigos leitores, recentemente tive a oportunidade de assistir uma palestra ministrada porJosé Cândido Rifan Sueth, mestre em história social das relações políticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e autor do livro “Espírito Santo, um estado ‘satélite’ na Primeira República: de Muniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912)”. Eu já havia lido o livro, todavia, não havia tido a oportunidade de conhecer e conversar pessoalmente com José Cândido. Pois bem, tive essa oportunidade e tive o prazer incomensurável de assistir um exemplo de pesquisador a ser seguido, de uma humanidade e humildade que poucos conseguem confeccionar, um historiador que ama o que faz. Assim não poderia deixar de fazer uma breve análise de seu livro. 

José Cândido estudou o Espírito Santo enquanto um estado sem autonomia, focando o período que vai do primeiro governo de Moniz Freire até o termino do mandato de Jerônimo Monteiro, 1892 a 1912. Trata-se de um estudo que procura verificar os mecanismos pelos quais se dava a posição secundária do estado, sem autonomia plena. A hipótese, portanto, que se pretende trabalhar é a de que existiu efetivamente, nesse período, uma heteronomia, dependência e subordinação do Espírito Santo. Uma condição que não começou na Primeira República, mas vem certamente do período colonial e do Império. O autor utiliza o conceito de estado “satélite” que esta associado, justamente, a carência, pouca autonomia, ser influenciado, ser dependente. Trata-se, portanto, de uma pesquisa que visa a contribuir com a lenta, mas continua, reabilitação da história política que vem se dando a partir da década de 1970. Aplicando assim o conceito de Nova História Política.

A pesquisa teve como principal corpus documental as mensagens, discursos e relatórios oficiais dos presidentes do estado, desde 1892 até 1912. Que possibilitaram comprovar a idéia de um Espírito Santo deixado para segundo plano e periférico.

O BRASIL REPUBLICANO E A POLÍTICA DOS GOVERNADORES

Objetivando desvendar teoricamente as relações de poder e seu jogo político na Primeira República o autor parte para uma analise do federalismo no Brasil no século XIX.

O FEDERALISMO NO BRASIL DO SÉCULO XIX

José Cândido aponta para o Ato Adicional de 1934, como um evento descentralizado ao passo que adotou alguns elementos do federalismo, como as assembléias provinciais. Já o segundo reinado (1840-1889) é verificado o retorno da centralismo monárquico, favorecido, também, pela economia cafeeira. O federalismo voltaria a pleno vapor com a propaganda republicana.

O autor mostra que dentre as duas tradições federalistas: a hamiltoniana, preocupada com o fortalecimento do governo central, e a jeffersoniana, que dava ênfase ao self-government. O Brasil copiou a segunda tradição , o que fez co que entre nós federalismo significasse descentralização.

A POLITICA DOS GOVERNADORES

José Cândido diz que no Brasil o sistema político funciona na base de forças exercidas por lideranças, partidos e elites. A esse exemplo durante a Primeira República, uma grande parcela do poder passou a ser exercida pelas oligarquias. O idealizador de tal política foi o presidente da República Campos Salles (1898-1902), política que ficou conhecida como política dos governadotes: política que se resumia a um acordo pelo qual, em troca de apoio dado ao presidente da República, os estados tinham garantidos uma total autonomia e o direito de intervir na composição do Congresso, o qeu significava um fortalecimento do poder dos governadores, os quais eram a nova expressão das oligarquias regionais. Era, assim, um acordo, um compromisso que unia chefes locais, governadores de estado e presidente da República. Entre as conseqüências dessa política, o autor aponta para a consolidação do predomínio dos estados mais fortes, o que deu origem à política do café com leite. O autor aponta que, é em função de todo esse jogo de influências, poderes, alianças e sujeições, resultante da “política dos estados”, que vai se colocar a dependência do espírito Santo, nesse período.

O COTIDIANO CAPIXABA EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

José Cândido nos mostra que quando proclamada a República em novembro de 1889, no mesmo dia 15, a notícia, por meio de um telegrama, chegou a Vitória, onde não houve qualquer tipo de manifestação favorável ou contrária ao regime. em Cachoeiro, porém, onde o movimento anti-monarquista sempre foi mais forte, os republicanos promoveram passeatas em comemoração. No dia 16, tendo sido dissolvida a Assembléia Legislativa, os lideres republicanos escolheram Afonso Claudio como chefe do governo provisório.

Os primeiros anos de República, nos diz o autor, não foram fáceis. Em nível local predominava o “coronelismo” e importantes figuras revezavam-se no poder até a revolução de 1930. Em meio a esse ambiente a economia capixaba notabilizou-se pela produção de café, sendo, no século XIX, um dos principais produtos da Província. Em meio a necessidade de escoar a produção que, no final do século XIX e início do século XX, forças foram direcionadas a melhorias nas vias de transporte: abertura de estradas, construção de portos, construção de ferrovias e a introdução de embarcações a vapor. Que gerou despesas ao estado forçando a requisitar empréstimos estrangeiros.

Na Primeira República, nos mostra o autor, foi iniciado um processo de remodelação de Vitória, que ganhou novos aspectos perdendo parte de suas características coloniais. Vitória recebeu iluminação pública, monumentos, jardins, arborização. Mesmo assim eram poucas as opções de lazer.

A sociedade capixaba na Primeira República dividia-se em três segmentos: a elite, composta por lideranças políticas, altos funcionários do estado, juristas, grandes comerciantes, grandes proprietários de terra. Um grupo intermediário, constituído por, profissionais liberais, médicos, pequeno funcionariado publico, pequenos comerciantes, professores, pequenos proprietários e, por fim, o último segmento, os menos favorecidos, com artesão meeiros, vendedores, empregadas domesticas, entre outros. O autor nos mostra ainda que, foi com a entrada de imigrantes a partir da segunda metade do século XIX que o número de habitantes do estado aumentou significativamente. E foi em um estado com todas essas características que assim desenvolveram-se as relações de dependência e falta de autonomia.

ESPÍRITO SANTO, ESTADO “SATÉLITE” NA PRIMEIRA REPÚBLICA: DE 1892 A 1912.

AS CONDIÇÕES DO FEDERALISMO BRASILEIRO

Hegemonia de alguns e dependência, da parte de outros, constituem realidades em oposição ao princípio federal. As referências ao Espírito Santo como estado “satélite” opõem São Paulo, Minas Gerais ou quaisquer outros estados como “planetas”. O autor no mostra que, devemos refletir a respeito da heteronomia do Espírito Santo como, ora dependente do poder econômico, ora dependente do poder político. Conclui que: o federalismo impunha a autonomia dos estados, enquanto a parte não constitucional – política dos governadores – dava origem ao domínio de uns estados sobre outros.

O CASO DO ESPÍRITO SANTO NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Citando Maria da Penha Smarzaro Siqueira, José Cândido nos mostra que, assim como as demais regiões brasileiras o Espírito Santo estava inserido na conjuntura política econômica nacional e que embora integrado na região sudeste centro produtor de café, não acompanhou o nível de desenvolvimento regional, resumindo-se a uma região de pouca expressividade dentro do contexto nacional.

A ASCENSÃO DE MONIZ FREIRE

José de Melo Carvalho Moniz Freire, nos diz o autor, ocupa um papel especial, não só por ter comandado duas administrações estaduais, mas também por ter estabelecido um plano que visava a aparelhar o Espírito Santo com uma infra-estrutura que o levasse a uma posição de menor dependência no cenário nacional. Em seu programa de governo tinha o objetivo de construir linhas férreas, povoar o solo e transformar Vitória em um grande centro comercial. Todavia, para levar esse programa a bom termo, o estado contraiu o primeiro empréstimo externo, de 17 milhões e quinhentos mil francos franceses, que foram aplicados na construção da estrada de ferro Sul do Espírito Santo, que faria ligação de Vitória e Cachoeiro de Itapemirim. em 13 julho de 1895 seria inaugurado o primeiro trecho, ligando Porto de Argolas – no continente então fronteira com a capital – à Viana, então vila.

Também promoveu a introdução de 20 mil italianos na lavoura capixaba e implantou a navegação a vapor no Rio Doce. Projetou a expansão de Vitória através do projeto Novo Arrabalde. Todavia, a pouca autonomia do Espírito Santo impediu a continuidade de planos tão esperançosos, o estado não tinha a mesma atenção do Governo Federal como São Paulo, nos diz José Cândido.
O Espírito Santo encontrava-se entre os seis estados sem nenhuma representação nos ministérios. Neste caso, Minas Gerais, São Paulo e Bahia eram os três grandes com maior número de cadeiras ministeriais.

Apesar de o estado ter a nona renda do país, era considerado sem importância, o que vai ser agravado ainda mais, após o termino do primeiro mandato de Moniz Freire, que foi sucedido por Graciano dos Santos Neves.

OS PLANOS DE MONIZ FREIRE COMPROMETIDOS NA SUCESSÃO

Graciano dos Santos Neves governou o estado em situação bastante difícil, uma vez que o café sofreu enorme queda de preços, abalando a economia capixaba. Teve que suspender quase todas as obras planejadas por Moniz Freire. Recusou-se, também, a promover o melhoramento do porto de Vitória, alegando ser essa uma “[...] obra que dependia inteiramente da boa vontade do Governo Federal [...]. Em 1897, foi publicado, em Paris, um texto repleto de críticas ao empréstimo adquirido por Moniz Freire em seu primeiro mandato, para a construção da estrada de ferro Sul do Espírito Santo.

De 1894 a 1898, assumiu a presidência da república Prudente de Morais, que foi sucedido por Campos Salles, conhecido pelo funding loan. Campos Salles trata das vias férreas e defende abertamente a privatização das estradas de ferro da União alegando os prejuízos que davam. José Cândido aponta: a redução do preço de transporte a favor de certos produtos agrícolas, que muito iria favorecer a linha capixaba, não foi posta em prática nas estradas de ferro do Espírito Santo. O que não beneficiou, portanto, o café que fosse transportado para o porto de Vitória. Desse modo, era o Espírito Santo vítima de uma orientação política geral.

MONIZ FREIRE EM SEU SEGUNDO MANDATO

Em 23 de maio de 1900, iniciou-se o segundo mandato de Moniz Freire, que governaria até 1904. Neste contexto a crise do café se prolongava e a seca acabava por agravar a situação produzida pela baixa dos preços. Assim o Espírito Santo viu-se obrigado a pedir moratória aos credores estrangeiros em 1902.

Para enfrentas a crise, Moniz Freire determinou cortes em gastos públicos. Nasce a possibilidade da exploração de areia monazítica no litoral capixaba, surgindo então um problema jurídico relacionado com o estabelecido na constituinte brasileira de 1891, quando à posse de terras devolutas pelo estado e pela União.

Mais tarde seria realizado um acordo com o americano John Gordon, para a exploração e exportação dessas areias. Mas Moniz Freire queixar-se do governo federal: “a execução desse contrato tem sido dificultado por atritos entre a União e o estado, devido a falta de delimitação da área de marinhas na zona onde a exploração teve começo.”

Preocupado com a crise do café Moniz Freire tomou a iniciativa de procurar o presidente do estado de São Paulo, a fim de, juntos, mandarem uma carta aos governadores de Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, convidando-os a uma ação conjunta entre os cinco estados principais produtores de café, para um trabalho de propaganda dirigido à Europa, com intuito de conquistar novos mercados de consumo. Entre as propostas, estavam a de distribuição de café nas fábricas européias, liceus, exércitos e marinha, bem como a organização de estatísticas que permitisse um plano bem elaborado, juntamente com o estabelecimento de relações diretas entre o nosso comércio e os mercados consumidores. Nada, todavia, foi levado a diante, o que motivou Moniz Freire, a mais queixas que novamente sinalizam o Espírito Santo como um estado sem autonomia.

Moniz Freire aponta para o estado como “o menor de todos”, “o menos populoso”, “o mais pobre”, o “desprovido”, “privado”. Demonstrava ainda que não era possível ao Espírito Santo aumentar os impostos, como uma das vias para ajudar na solução da crise como fizeram outros estados. Há portanto uma situação de fragilidade infringida ao Espírito Santo, em que o pessimismo das palavras de Moniz apontam para a falta de autonomia de seu estado. Foi nesse ambiente de dependência que ele terminara seu segundo mandato.

O MOMENTO DA RUPTURA

De 1904 a 1908, o estado foi governado pelo Coronel Henrique da Silva Coutinho. A falta de autonomia era claramente reconhecida por ele: “continua o estado a sofrer o enorme prejuízo do rendimento que lhe é devido pelo imposto sobre as areias monazíticas, e de que a União se assenhoreou.”

A dívida do estado era alta, provocando a situação que se agravava desde 1901 com a falta de pagamento dos encargos, especialmente assumidos na Europa. A fim de solucionar esse problema foi promovida a venda da estrada de ferro Sul do Espírito Santo à Leopoldina Railway, que foi conduzida por Jerônimo Monteiro. O dinheiro foi exclusivamente aplicado no pagamento de dívidas. Simultaneamente, também com a assinatura de Jerônimo Monteiro, o estado vendeu a Estrada de Ferro Caravelas à mesma companhia. Com as duas estradas de ferro nas mãos dos ingleses, jazia por terra o plano de Moniz Freire de desenvolver o estado e a falta de autonomia era progressivamente agravada pela elevada dívida externa e pela falta de apoio do governo central.

Moniz Freire qualificou de “estelionato” a venda das linhas férreas. José Cândido nos diz que, girando em torno da orientação política do momento e/ou da exigência de certo capital internacional, caíram por terra as idéias de Moniz.

Durante o governo do presidente Afonso Pena, onde, nos diz o autor, pela primeira vez a economia brasileira foi vista de forma global, fomentou-se a ligação do Rio a Vitória e pensou-se no prolongamento da via férrea da Bahia até o Espírito Santo, como também a Pernambuco. Para essa realização o seria preciso ter nas mãos a oligarquia capixaba.

Assim é sintomático notar a escolha de João Luiz Alves para senador, e Jerônimo Monteiro para presidência do estado suscitava à interferência da bancada mineira e do próprio presidente Afonso Pena. Então, replica Moniz Freire quanto à escolha desse político mineiro para candidato a senador pelo Espírito Santo: “renunciamos por isso ao direito e à satisfação de pleitear o triunfo de uma candidatura nossa.” Todavia, as obras do porto de Vitória estavam dependendo justamente do apoio que viria de Minas.

JERÔNIMO MONTEIRO NO GOVERNO DO ESTADO

Jerônimo Monteiro assumiu a presidência do estado no dia 23 de maio de 1908, governando até 23 de maio de 1912. Enquanto presidente de um estado “satélite”, formou seu caráter em áreas “planetas” e buscou neles os nomes que o ajudaram a orientar a política capixaba. Como divisa do estado escolheu a frase “trabalha e confia” que aprendeu com os jesuítas do Colégio São Luís, em Itu.

Entre os incentivos que Jerônimo recebeu, destaca-se a verba de cem mil francos anuais consignada, durante quatro anos, pelo governo de Minas Gerais, para auxílio nas obras do porto de Vitória. Clara relação de dependência financeira, enfatiza José Cândido.

TRÊS MANDATOS, DUAS POLÍTICAS E UMA SÓ DEPENDÊNCIA: MONIZ FREIRE E JERÔNIMO MONTEIRO

Neste capítulo o autor pretende comparar Moniz Freire e Jerônimo Monteiro a fim de se entender o jogo político que, para tanto, é necessário ter em mente duas realidades interligadas: a) a composição da estrutura social capixaba; b) as composição partidária capixaba. Quanto a primeira é necessário entender em âmbito regionais suas particularidades:1) a região sul, centralizada em Cachoeiro de Itapemirim, onde as classes sociais dominantes eram os fazendeiros e latifundiários, produtores de café e açúcar. 2) a região central, girava em torno de Vitória, onde as classes mercantis-exportadoras exerciam grade representatividade, também tinha grande influência dos fazendeiros e latifundiários. 3) a região norte, as classes agro-fundiárias produtoras de farinha de mandioca e café tinham fundamental participação.

No que diz respeito à composição partidária, Marta Zorzal e Silva divide a história dos partidos republicanos no Espírito Santo em três etapas:

1) A situação em 1891
O Partido União Republicana Espírito Santense, representava o interesse agro-fundiário; o Partido Republicano Construto, representava sobretudo os interesses mercantis-exportadores.

2) A situação entre 1892 e 1907
O Partido Republicano Federal reunia antigos membros do partido União Republicana Espírito Santense; Partido da Lavoura foi fundado por Jerônimo Monteiro, membro do Partido Republicano Construto.

3) A situação entre 1908 e 1912
Após uma dissidência ocorrida no seio do Partido Republicano Construtor surge, assim, o Partido Republicano Espírito-santense (PRES). Que acabou sendo incorporado ao Partido Republicano Construto em 1911.

O período estudado, nos diz José Cândido, foi marcado especialmente por dois partidos políticos: o Partido Republicano Construto, no qual fazia parte Moniz Freire, representava os interesses dos agro-fundiários da região sul, centro e norte do estado e; o Partido Republicano Espírito-santense, no qual fazia parte Jerônimo Monteiro, representava os interesses mercantis-exportador, embora também tivesse em seu quadro alguns poucos representantes do interesse agro-fundiário. O partido dirigido por Moniz Freire pleiteava o progresso centrado no comércio; enquanto Jerônimo Monteiro levantava a bandeira da lavoura.

DUAS FORÇAS ORIENTAM A POLÍTICA CAPIXABA

Dentre os temas mais abordados pelas duas frentes políticas destacaram-se os que estão relacionados com a construção da estrada de ferro, obras pública e imigração. Moniz Freire foi dos que mais se preocuparam com estradas – tando de ferro, quanto de rodagem – e imigração. O tema agricultura passa a ocupar grande destaque a partir de seu segundo mandato.
Por parte de Jerônimo Monteiro houve grande preocupação com as questões referente a educação, indústrias e obras públicas. Tais diferenças de interesses indicam, portanto diversidade política, melhor, seriam antagônicos.

As propostas de Moniz Freire voltavam-se para tornar Vitória o grande centro comercial do estado. Daí a principal ação de seu primeiro mandato foi o de construir uma estrada de ferro que ligasse o sul do estado à Vitória. Povoar vitória seria fundamental para torná-la um importante centro comercial. Imbuído desse idéia, Moniz, dedicou-se a elaborar um plano de ocupação e urbanização de Vitória que ficou conhecido como Novo Arrabalde. Portanto, denota-se que nas administrações de Moniz Freire os recursos do estado eram dirigidos para a promoção de um grande centro comercial, Vitória, ao invés de atender diretamente às necessidades da produção cafeeira.

Com a ascensão de Jerônimo Monteiro, mantiveram-se as diferenças com relação aos planos de Moniz Freire. O Novo Arrabalde e o crescimento passaram a ser direcionados para a ocupação e urbanização dos espaços centrais da ilha de Vitória. Foi o primeiro governante do estado a trazer para o debate público a voz dos fazendeiros. Para cumprir suas metas, Jerônimo Monteiro utilizou os recursos da venda da ferrovia Sul do Espírito Santo e da Estrada de Ferro Caravelas.

Desenvolvendo uma orientação política conforme os interesses do capital mercantil-exportador ou dos fazendeiros do sul do estado, de um modo ou de outro os presidentes capixabas não conseguiram, porém, colocar o Espírito Santo na mesma categoria dos outros membros da federação. Sua condição de “satélite”, nos diz José Cândido, permaneceu inalterável.

MONIZISMO, JEONIMISMO E FEDERAÇÃO

Compreende-se que, em 1821, apesar de a política do café com leite estar em plena vigência, também Moniz Freire destacava-se por ir contra a onda centralizadora. Lamentava-se da organização política brasileira, na “[...] qual os estados de maior poder exercem hegemonia sobre outros”. Por sua vez Jerônimo Monteiro, tomou posição que indicava certa independência pessoal com relação ao esquema político dos governadores.

O federalismo de Moniz Freire e o de Jerônimo Monteiro eram diferentes daquele posto em prática pela Política dos Governadores. De qualquer forma, entre 1892 e 1912, permaneceu-se inalterável a falta de autonomia do Espírito Santo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa evidenciou que durante a primeira republica o federalismo brasileiro foi em sua origem descentralizador, mas tornou-se depois profundamente centralizador. A política dos governadores reforçava o poder das oligarquias estaduais, numa contradição apenas aparente, já que as elites regionais achavam-se ligadas ou até subordinadas ao poder central.

Moniz Freire e Jerônimo Monteiro podem, assim, ser considerados frutos das possibilidades conjunturais do período em que viveram e quando olhamos para o século XXI, nos propõe o autor, também se verifica a heteronomia e a exclusão aqui focalizada está ainda presentes. Por exemplo: nos primeiros meses de 2004, o Espírito Santo ocupa o 25º lugar no ranking dos que mais receberam investimentos do governo federal; neste mesmo ano o Espírito Santo esteve entre os cinco estados que menos receberam verbas do Governo Federal nos últimos três anos.

Não são poucas às vezes em que os jornais capixabas fornecem notícias que, de uma maneira ou de outra, sugerem a existência do mesmo jogo que conduz ao processo de dependência, esquecimento e falta de autonomia que formam analisados por José Cândido, a autonomia do estado acha-se ausente pelo menos a quase um século.

Buscar praticidade numa pesquisa desse gênero não significa se posicionar favoravelmente a idéia de história como uma coleção de exemplos e mestre de vida. Oferecendo ao futuro, exemplos a evitar ou a imitar. A disciplina histórica não visa ressuscitar o passado, nem a cultuar tal personagem ou acontecimento. Seu objetivo é tornar compreensivo as relações que unem, ou dividem os seres humanos os grupos sociais, os governantes e os governados sem deixar de analisar as complexidades e as dificuldades de tal relacionamento colaborando desse modo para que cada geração receba a herança do passado e altere em função das necessidades do presente.

Bibliografia:

SUETH, José Cândido Rifan. Espírito Santo, um estado “satélite” na Primeira República: de Muniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912). Vitória: flor e cultura, 2006.

SÁBADO, 10 DE OUTUBRO DE 2009

Prêmio Nobel pela piada do ano


By Douguera, a pedido de meu grande amigo Joaquim

E o prêmio Nobel da piada do ano para quem vai? Se o objetivo da edição 2009 do prêmio Nobel era o de surpreender, meus parabéns, pois conseguiu – o próprio ganhador ficou surpreso. Nesta última sexta feira, dia nove, em Oslo, Noruega, o comitê organizador do Nobel elegeu Barack Obama, presidente dos EUA, como o cavaleiro errante da paz. Tido como favorito, o primeiro-ministro do Zimbábue, Morgan Tsvangirai, ativista fervoroso dos direitos humanos que durante anos desafiou o regime de Robert Mugabe, ficou chupando dedo.

"O Comitê do Nobel quer que o prêmio tenha impacto e ele certamente pode ter com Obama, embora seja prematuro em muitas formas,"[...] "Não vejo outro Nobel tão ousado como este - concedê-lo a alguém que está apenas no início e ainda está por ter um impacto significativo". [1] Foi o que disse Kristian Berg Karpviken, diretor do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz (PRIO), de Oslo. O comitê do Nobel teria destacado o “EXTRAORDINÁRIO” esforço de Obama na perspectiva de um mundo sem armas nucleares. A meu ver o comitê tem que rever seu conceito de “EXTRAORDINÁRIO”. Os EUA têm mais de 12 mil armas nucleares; a Rússia aproximadamente o mesmo número; Israel, segundo ex-presidente Jimmy Carter, tem 150 projéteis [2]. Isso sim é EXTRAORDINÁRIO, para não dizer cómico.

É bem verdade que Obama, como muito raramente na história da humanidade, é um homem que capturou a atenção do mundo e que trouxe para si a esperança de um futuro melhor, todavia este louvado prêmio foi dado a uma obra inacabada e, quando falamos de paz mundial, estamos dizendo de uma obra ciclópica. É, portanto um prêmio baseado na esperança.

Alguns editoriais destacaram a vitória de ideais de humanidade, enquanto outros, mais sensacionalistas, referem-se a uma escolha de jugular política. E se fizermos um projeção da relação Obama presidente e sua indicação ao prêmio, veremos que ele foi indicado no início de fevereiro, poucos dias depois de ser eleito presidente americano. Seria como eleger Zidane – melhor jogador da copa do mundo de 2006 – aos 30 segundos do primeiro jogo da seleção da França, pelo grupo G, contra a seleção da Coréia do Sul.

Alguns comparam a vitória de Obama à premiação do Nobel de 1990 do soviético Mikhail Gorbachev, eleito um ano após a queda do Muro de Berlin – símbolo antológico do Final da Guerra Fria. Ou ainda ao Nobel de 1971 do chanceler alemão Willy Brandt, premiado por abrir-se para o Leste [3].

Sempre achei louvável o reconhecimento dado por esta premiação. E assistia trabalhos de uma vida toda de promotores da paz sendo reconhecidos. A exemplo de Jimmy Carter, premiado em 2002, pelos seus esforços em busca de uma solução pacífica para os conflitos internacionais, pela democracia, direitos humanos e o desenvolvimento econômico social. Ou ainda por Martti Ahtisaari, ex-presidente da Finlândia, premiada em 2008, que esteve envolvida em infatigáveis esforços nas negociações pela paz no conflito entre Kosovo e Iraque.

Vejo, portanto, uma eleição baseada na esperança de realizações, não em conquistas concretas. Produziu, de fato, impacto até mesmo nas mentes mais belicosas. Osama Bin Laden pode até ser indicado em 2010. Só espero que essa seja apenas mais uma piada de mau gosto
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Notas:

[1] Jornal do Brasil on line. Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/editorias/internacional/. Acesso em 10 de outubro de 2009.

[2] Folha On Line. Israel tem 150 armas nucleares, diz ex-presidente dos EUA. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u405582.shtml. Acesso em 10 de outubro de 2009.


[3] Swissinfo.ch - Noticias da Suíça para o mundo. Prêmio Nobel a Obama é visto como aposta “ousada” no futuro. Disponível em: http://www.swissinfo.ch/por/noticias/internacional/Premio_Nobel_a_Obama_e_visto_como_aposta_ousada_no_futuro.html?siteSect=143&sid=11332552&cKey=1255122575000&ty=ti. Acesso em 10 de outubro de 2009.


Bibliografia:

BBC-Brasil. Obama mereceu o Nobel da Paz? Disponível em: http://newsforums.bbc.co.uk/ws/pt/thread.jspa?forumID=10037. Acesso em 10 de outubro de 2009.


Folha On Line. Israel tem 150 armas nucleares, diz ex-presidente dos EUA. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u405582.shtml. Acesso em 10 de outubro de 2009.


G1. Obama é o Nobel da Paz de 2009. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1335214-5602,00-OBAMA+E+O+NOBEL+DA+PAZ+DE.html. Acesso em 10 de outubro de 2009.


Jornal do Brasil on line. Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/editorias/internacional/. Acesso em 10 de outubro de 2009.


Nos Revista. Barack Obama é o primeiro afro descendente a ganhar o premio Nobel da paz. Disponível em: http://www.nosrevista.com.br/2009/10/09/barack-obama-e-o-primeiro-afrodescente-a-ganhar-o-premio-nobel-da-paz/. Acesso em 10 de outubro de 2009.


Swissinfo.ch - Noticias da Suíça para o mundo. Prêmio Nobel a Obama é visto como aposta “ousada” no futuro. Disponível em: http://www.swissinfo.ch/por/noticias/internacional/Premio_Nobel_a_Obama_e_visto_como_aposta_ousada_no_futuro.html?siteSect=143&sid=11332552&cKey=1255122575000&ty=ti. Acesso em 10 de outubro de 2009.


Último Segundo. Barack Obama prêmio Nobel da Paz. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/bbc/2009/10/09/barack+obama+ganha+premio+nobel+da+paz+8784055.html. Acesso em 10 de outubro de 2009.

SEGUNDA-FEIRA, 5 DE OUTUBRO DE 2009

Pac para a preservação

Programa de Aceleração do Crescimento vai destinar R$ 150 milhões por ano para projetos de conservação do patrimônio histórico em 124 cidades

por Dafne Melo

Por iniciativa do Ministério da Cultura, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) chegará às cidades históricas. A ideia é destinar a quantia de R$ 150 milhões por ano a projetos de preservação em 124 cidades brasileiras, incluindo as 27 capitais e municípios como Ouro Preto (MG), Erechim (RS) e Juazeiro do Norte (CE). O dinheiro pode ser usado em projetos de requalificação urbanística, infraestrutura urbana, financiamento para recuperação de imóveis privados, restauro de monumentos e promoções do patrimônio cultural.

O PAC das cidades históricas terá duas fases: até o ano que vem, 50 cidades deverão receber financiamentos. De 2011 a 2012, outras 74 cidades serão incluídas. Segundo o ministro da Cultura, Juca Ferreira, a iniciativa, além de auxiliar na preservação do patrimônio cultural e histórico do país, ajudará a aquecer a economia dessas cidades, já que muitas se apoia no turismo como principal fonte de recursos.


Fonte: História Viva

SÁBADO, 19 DE SETEMBRO DE 2009

Mais um pouco sobre História do Espírito Santo


Enaile Flauzina fez mestrado na Universidade Federal do Espírito Santo em 2008, com uma tese, simplesmente excepcional, sobre Política e Economia Mercantil nas Terras do Espírito Santo (1790 a 1821). Tido eu a oportunidade de ler essa obra, não pude deixar de fazer uma breve análise, que é o que se segue abaixo:

INTRODUÇÃO

Enaile da início ao seu trabalho apontando para a necessidade de pesquisas focalizando os mecanismos internos de produção econômica, e salienta a importância da micro história italiana, que será a jugular direcionadora de sua tese. Salienta ainda das necessidades essenciais das pesquisas de caráter regional, a fim de compreender as singularidades locais. No Espírito Santo, porém, a carência de pesquisas sobre a história da região, acaba por propiciar a adoção de modelos historiográficos generalizados.

A autora prima nesta Dissertação, por conhecer as estratégias de inserção dos diversos segmentos na dinâmica conjuntural da capitania. Tratando, portanto, de um estudo de diversos empreendimentos pessoais, que demonstram o estabelecimento de uma rede de relações sociais na constituição de outros horizontes para a região. A hipótese a ser tratada pela autora é da importância da Vila da Victoria (atual Ilha de Vitória) que não esteve alheia as populações circunvizinhas, funcionando como importante entreposto comercial e principal núcleo urbano.

Utilizando de fontes primárias de cunho cartorial e documentos oficiais: Memórias, catas, petições, etc. a autora dá ênfase ao pequeno comércio, à mobilidade social dos pardos e forros, aos mecanismos de exclusão social, às elites e suas estratégias de acumulação. A utilização da micro história, pretende, logo, diminuir os reducionismo predominantes nos atuais trabalhos acadêmicos.

A autora objetivou explicar, então: a) a relação entre a ocupação de cargos públicos; b)formas de produção e consumo predominante; c) padrões hierárquicos sociais da Vila de Victoria; d) posições sociais dos donos de negócios; e) participação do Espírito Santo no quadro do sistema colonial.

  1. ESPÍRITO SANTO: UMA DAS HISTÓRIAS DO BRASIL COLONIAL
1.1 – NO TEMPO DOS DONATÁRIOS

Enaile nos mostra que o empreendimento colonizador da terra não se demonstrou muito tranquilo, devido à hostilidade indígena. E que a presença dos jesuítas foi determinante na doutrinação dos povos gentios e que os religiosos também exerceram forte influência na política e com considerável participação econômica.

A produção agrícola era diversificada: algodão, tabaco, criação de gado bovino; o que não impediu a crise, a partir de 1620, devido os constantes ataques indígenas e o descaso da Metrópole, durante a União Ibérica. Todavia a autora ressalta que neste período foi estabelecido na capitania, em 1621, um importante comércio de escravos.

Em 1627, morre o último membro da família de Vasco Fernandes Coutinho, o donatário Francisco Aguiar Coutinho. A partir de 1643, uma nova crise se instaura, mediante ao governo exercido por capitães mores. Em 1674, A capitania é vendida a Francisco Gil de Araújo que, incentivou a agricultura, construiu fortalezas e igrejas e incentivou a vinda de colonos. Após sua morte assumiria seu filho Manoel Garcia Pimentel e deu-se início a nova crise econômica.

1.2 – MEU DONO A COROA: O ESPÍRITO SANTO COMO CAPITANIA RÉGIA

No início do século XVIII a capitania do Espírito Santo é resgatada pela Coroa Portuguesa, parte de uma articulação para transformar as capitanias hereditárias em capitanias reais. Na segunda metade do século XVIII, nos mostra a autora, a capitania estaria subordinada ao Governo da Bahia. E com a crise aurífera no século XVIII, a coroa demonstrou interesse em dar novo impulso à capitania.

Concernente a proibição de transito no interior do Espírito, Santo durante 33 anos [1] transformou-se a capitania em uma espécie de barreira verde contra possíveis contrabandos de ouro das Minas Gerais, não significando, entretanto, o isolamento daquela região, ou mesmo, de toda a extensão da Capitania capixaba, sua faixa litorânea permaneceu habitada durante todo período colonial.

1.3 – O ADVENTO DO SÉCULO XIX NO ESPÍRITO SANTO

Final do século XVIII e início do XIX, novas perspectivas ressurgem a fim de tornar a capitania mais produtiva e lucrativa para a coroa. Silva Pontes, o então governador, providenciou a abertura do Rio Doce a navegação, buscou-se também reavivar a navegação direta com Portugal.

Nomeado em 1812, Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira, constituiu-se o primeiro governante independente da Bahia, este chega a ser parabenizado pelo príncipe D. João VI, pela atitude e atenção da administração da capitania. Abriu estradas, desenvolveu lavouras, incentivou a mineração, aos estudos de aplicação de navegação nos demais rios Ca capitania, construção da Casa da Misericórdia, e aterros no sentido de urbanizar a Vila de Victoria. O ultimo governante antes da proclamação da independência do Brasil, foi Baltazar de Souza Botelho de Vasconcelos, que tomou posse em 1820, e deu prosseguimento a política do antecessor. Após a independência foi eleito pelas juntas o primeiro presidente da província Ignacio Accioli de Vasconcellos.

A autora problematiza que a principal preocupação dos governadores nomeados para a capitania, nas primeiras décadas do século XIX, era de descobrir novas fontes de riquezas para a manutenção da monarquia.

1.4 – MEMÓRIAS: A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA ECONOMIA

Após análise de documentos oficiais, das primeiras décadas de 1800, Enaile conclui que: alguns descrevem a capitania com uma riqueza exuberante, o caso de Simão de Vasconcelos, o príncipe Maximiliano Wied Neuwied e o naturalista Augusto Saint-Hilare [2]. Outros por sua vez, demonstrar claro pessimismo como o caso do escrivão da Junta Real, Francisco Manoel da Cunha. A agricultura confirma ser a principal atividade produtiva capixaba, com lavouras de cana de açúcar, mandioca, algodão, milho, arroz, feijão e tendo inicio do cultivo do café.

A propósito da população, permite a identificação de alguns profissionais liberais estabelecidos na Vila de Victoria: cirurgiões, boticários, professores e negociantes, além de funcionários públicos. 

O comércio, diz a autora, era composto, principalmente, de gêneros que faltavam na capitania: farinha de trigo, carne seca, bacalhau, azeite, vinho, vinagre, sal, queijo, louça. Portanto, a exportação de viveres e o abastecimento de gêneros importados foram fundamentais para a manutenção positiva da economia e, a diversificação da produção continuaria subseqüente à independência do Brasil.

  1. REDES MERCANTIS DO ESPÍRITO SANTO (1790 A 1821)
2.1 – NOVOS TEMPOS PARA A CAPITANIA CAPIXABA

O processo de mudança administrativa colonial, com início e no termino de setecentos, acabou por ocasionar significativas alterações socioeconômicas para o Espírito Santo. Pode-se concluir, nos diz Enaile, que a capitania afigurou-se como participe do sistema colonial no que se refere às relações mercantis.

Em 1808, a população da Vila de Victoria era relativamente reduzida, limitando os grandes empreendimentos. A solução encontrada pelos comerciantes foi a de estabelecer relações sociais que ultrapassava os mecanismos mercantis de compra e venda de mercadoria, o que envolvia: estratégias arriscadas de conceder e adquirir empréstimos.

2.2 – TODOS NEGOCIAM, TODOS VIVEM E TODOS SE SUSTENTAM

Todavia a situação vivenciada pelo Espírito Santo, naquela época, não destoava muito das demais capitanias; os negociantes agiam como responsáveis pelo grosso da comercialização, no abastecimento interno e externo e, até mesmo, no incremento da produção agrícola, adquirindo propriedades, não só urbanas como rurais. Havia, nos fala a autora, uma estreita ligação entre o mundo rural e o urbano.

A respeito das atividades exercidas na Vila de Victoria, após levantamento de inventários: comerciantes, profissionais (advogados, médicos, etc.) e indivíduos que dependiam do soldo (militares). A riqueza estava acumulada nas mãos de uns poucos privilegiados; das nove maiores fortunas, quatro tinham como fonte de renda os negócios, duas dizem respeitos a comerciantes estabelecidos na Vila de Victoria e, três tinham renda principal no âmbito rural. A maior parte da população estava ligada a terra, e acabava por viabilizar seu sustento com o trabalho na lavoura para abastecimento local e também para comerciar.

2.3 – NEGOCIANTES NA PRAÇA MERCANTIL DA VILA DA VICTORIA

A Vila de Victoria permanecia nos anos que antecederam a independência como sede da única comarca da capitania, funcionando como importante entreposto comercial em que as redes sociais se demonstravam mais nítidas. Para tanto, Enaile traça um imprescindível histórico, com base em inventários e outros documentos, da trajetória de homens como: o negociante Matheus Jose Vieira; o capitão mor Jose Ribeiro Pinto; negociante Manoel Antonio Borges Madeira; o comerciante itinerante Francisco José Vieira de Sá; o alferes Jose Joaquim Barboza; Joaquim de Carvalho, natural de Lisboa; João Nunez Pereira. Diante das trajetórias dos homens dedicados aos negócios, seja na praça da Victoria, seja em outras capitanias – Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia – nota-se que, em princípios do século XIX, já estava estabelecida a elite mercantil capixaba e os mecanismos garantidores do escoamento dos gêneros da terra e do abastecimento da população com artigos de fora. A concessão de crédito acabou por produzir uma forma de consolidar as relações sociais entre a elite local e o restante da população.

2.4 – SECOS E MOLHADOS: O COMÉRCIO NA VILA

As populações das freguesias – Serra, Cariacica, Vila Velha, etc. – freqüentavam a Vila de Victoria como forma de suprir a necessidade de consumo e vender a produção. Enaile nos mostra que, entre 1790 a 1821, as escravarias se apresentavam como principal fração arrolada nos espólios de período referenciado. Seja como for, independente das distinções regionais, a colonização brasileira teve um predomínio na faixa litorânea, com os núcleos urbanos dividindo espaço com as lavouras. A elite econômica, por meio de benesses e alianças, acabou por conseguir também, firmar-se como elite política.

  1. DOS ENGENHOS À PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
3.1 – PRESTÍGIO E FORTUNA NAS MÃOS DE POUCOS

Era na agricultura que a força de trabalho escrava, sua maior parte, era empregada. A fim de expandir a produção, do açúcar, ainda em 1814, Francisco Alberto Rubim, concedia terrenos por sesmarias dentro do Espírito Santo. Sobre a presença de engenhos e engenhocas: haviam em terras capixabas 60 engenhos e 66 produtores de aguardente.

Analisando, portanto, alguns cidadãos da nobreza local dedicados à produção dos fatores que permitiam a manutenção do poder, a partir de prestígio e da riqueza acumulada pela terra, Enaile destaca: Francisco Pinto Homem de Azevedo, dedicado a vida pública e do fazendeiro Ignácio Pereira Barcellos conclui-se que, o consumo de produtos mais requintados acabava por celebrar a posição social das famílias tradicionais e ligadas à elite local; muita das vezes com estreita ligação com a produção rural, expressando uma correlação e dependência entre, a manutenção patrimonial e o prestígio social. No período colonial, nos mostra a autora, a diversificação da renda servia como forma de manutenção e ampliação das fortunas e a terra era um importante símbolo de poder perante a sociedade.

Outros exemplos como o caso da viúva Clara Maria; João Pereira de Jesus; Raphael Maxado Fraga e do capitão Manoel Nunes Ribeiro nos permite levantar a possibilidade dos baixos investimentos corresponderem a uma produção de açúcar quase artesanal e com retorno insuficiente, exigindo dos senhores de pequenos engenhos, outras fontes de rendas, como lavouras diversas e criação de gado. Outros nomes como Manoel Ferreira dos Passos, Antonio Pinto Rangel, das informações colidas, percebe-se que seguiam um padrão estabelecido na colônia, numa escala reduzida, conformes as posses do contexto local; o que nos permite concluir que, as atividades subjacentes dos fazendeiros estavam vinculadas ao patrimônio imobiliário; dos senhores de engenho ao gado e; os donos de alambique e engenhoca associavam a produção de aguardente, com os roçados de alimentos e algodão.

3.2 – PRUÇÃO DE ALIMENTOS: LONGE E PERTO DO CENTRO

A visão historiográfica tradicional acabou por dar preferência, demasiada, aos produtos a serem exportados é então que, Enaile traçará um novo aspecto: no Espírito Santo, a criação de animais e plantação, se deram, predominantemente na faixa litorânea e, somente no século XIX, ocorreu uma interiorização e com ela a expansão da lavoura. A dificuldade de expansão territorial para o interior se dava devido à proibição régia e/ou ataques indígenas; ou pela dificuldade em se manter a cultura açucareira devido à instabilidade.

A autora destaca que em determinados inventários não constavam lavouras, mas, propriedades como roça ou sítio, bem como, ferramentas (machados, foices, enxadas etc.). Permitindo concluir que há existência de trabalhadores à meia em propriedade de terceiros.

Ao comparar os inventários de roceiros com menos fortunas com outras atividades (comércio, engenho, etc.), Enaile chega a conclusão que, a base de bens produtivos acabou por serem semelhantes com a presença quase constante das rodas de rolar mandioca, machados, foices, enxadas, canoas e carros de bois.

Quanto ao rebanho, estava totalmente empregado na capitania, seja na alimentação, ou no trabalho dos engenhos e transporte de mercadorias. A pecuária destacava-se como atividade ou subsidiária às outras formas produtivas.

3.3 – DE ESCRAVO A SINHÔ

Com relação aos escravos, estes constituíam a principal mão de obra, no então período estudado, contudo, inseridos em uma rede de relações que extrapola sua condição de cativo. Encontramos cativos como consumidores, devedores, profissionais especializados e mantendo relações familiares, ou seja, bens com participação nas relações sociais. O escravo constituía uma importante riqueza com seu uso da mão de obra em todos os setores da sociedade capixaba.

A autora ressalta que havia escassez de cativos, motivada devido a manutenção das exportações de escravo para a colônia espanhola na América e, outro fator reclamado pelo governador Silva Pontes, a respeito ao ato de libertar escravos em testamentos. Salientava Pontes que, à presença destes forros no âmbito urbano, dedicados à “revenda de frutos da terra”, prática sem controle que não gerava ganhos para a Fazenda Real. Era notória a existência de escravos com profissão demonstrando haver uma hierarquia entre o grupo social de cativos, o que também gerava sua conseqüente valorização e até mesmo possibilidade de agaranhar recursos para comprar alforria.

A autora observou também, a concessão de crédito, nas lojas de secos e molhados, para escravos efetuarem compras a prazo e que assumiam, em alguns momentos, a condição de devedores, adquirindo empréstimos com homens livres. A maioria dos escravos era crioula, ou seja, nascidos na colônia. Havendo um equilíbrio entre os sexos da escravaria capixaba. Tais informações identificam, nos diz Enaile, a produção em cativeiro, que uma longa historiografia brasileira persiste em negar tal prática.

Quanto ao senhor, seu papel seria o de conceder e reconhecer a família escrava, mantendo seus membros juntos, o que também propiciava o aumento do seu patrimônio. A presença de mestiço, nos diz Enaile, configurava o estabelecimento de relações afetivas entre cativos e homens livres no Espírito Santo; na lógica da época os bens mais preciosos seriam os cativos, sendo por isso sua posse sinônimo de status social. A autora salienta ainda que, tão logo deixavam à escravidão, os libertos usavam de mecanismos de adquirir escravos para ascender socialmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim a autora aponta que a pesquisa empírica acabou por revelar uma história do Espírito Santo colonial ímpar, no entanto, não apartada do contexto geral da colônia. As dificuldades e desafio estiveram na falta de uma bibliografia capixaba que viesse a servir de embasamento, também aponta ressalta a autora.

Notório é a constatação da autora de que a capitania do Espírito Santo, por não compartilhar da estrutura agroexportadora e que passou a ser considerada uma região periférica ao sistema colonial imposto pela metrópole portuguesa.

Destaque para a importância da Vila de Victória no que tange ao estabelecimento das relações mercantis da capitania, importante entreposto comercial, tanto para venda de produtos importados, quanto a negócios envolvendo a produção e a concessão de empréstimos aos moradores das regiões adjacentes.

Em suma, a autora aponta para o Espírito Santo, no contexto colonial, possuidor de uma realidade distinta das demais capitanias, mas que coadunava, com as estruturas impostas pela administração lusitana.

NOTAS:
[1] Antonio Rodrigues Arzão, em 1693, descobre ouro na capitania e sob a resolução do rei D. João V, proibiu-se a exploração do interior, a abertura de estradas.
[2] Mais sobre visitantes estrangeiros no Espírito Santo ver obra de Levy Rocha: Visitantes Estrangeiros no Espírito Santo.

BIBLIOGRAFIA:
CARVALHO, Enaile Flauzina . Política e economia mercantil nas terras do Espírito Santo (1791 – 1821). Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Local as Relações Políticas. Universidade Federal do Espírito Santo. 2008. 160 p.

DOMINGO, 6 DE SETEMBRO DE 2009

Da História Ambiental à Consciência Ecológica


Por Douglas Barraqui

O futuro nunca dependeu tanto do presente como agora. Embora, já na década de 1960 o meio ambiente tomava seu espaço na agenda política de vários países, em nenhum outro momento os alarmes tocados pelas entidades ligadas ao meio ambiente e por cientistas se fizeram tanto ouvir.

As provas empíricas de uma realidade atroz, a de uma crise ambiental em proporções catastróficas, estão por todas as partes, é neste aspecto que as ciências humanas e naturais são desafiadas a provar seu valor e justificar suas eficiências enquanto ramos da produção do conhecimento humano.

Após a segunda Grande Guerra, houve um gradativo crescimento da sociedade de consumo na América do Norte e na Europa, fazendo com que aumentasse a pressão sobre os recursos naturais do planeta; os debates ambientais passam ser calorosos e surgem novos paradigmas. Como uma disciplina na qual seu objeto é o homem, e mais precisamente os homens no tempo [1], a historiografia era desafiada a enfrentar um novo problema, novas abordagens e novas questões. Eis que surge, no âmbito científico e acadêmico Norte Americano, a environmental history (história ambiental): “como um sujeito, é o estudo de como os seres humanos têm relacionado, com mundo natural através do tempo; como um método, é a aplicação de princípios ecológicos para a história” [2]; “sua principal meta é aprofundar nossa compreensão de como os seres humanos têm sido afetados pelo seu ambiente natural através do tempo e, inversamente, como eles têm afetado o ambiente e com que resultados” [3].

O problema epistemológico da história não pode ficar resumido a um problema intelectual e científico, há algo mais além que, agora mais do que nunca, o historiador será provado e terá que enfrentar: um problema cívico e mesmo moral, o historiador tem que prestar contas [4]. É fundamental, portanto, compreender onde se dá a aplicação prática da história ambiental a fim de identificar e dissolver os gargalos que limitam seu espaço de atuação. Para tanto, a iniciativa terá que partir do próprio homem, aquele que não deixa o passado ser esquecido. O historiador terá que engolir qualquer orgulho acadêmico ou de formação teórica, suplantar qualquer forma de “pré-conceito” na troca do saber entre outros ramos da produção do conhecimento e olhar para o meio ambiente – seu meio ambiente – como sua base de existência e o limite do fim da história.

O objetivo em questão é colocar a natureza de volta aos estudos históricos, condicionalmente, explorar as formas pelas quais o mundo biofísico tem influenciado o curso da história da humanidade e as formas, assim como os porquês, que as pessoas têm transformado o seu meio [5]. Na qualidade de pesquisador elenco pontos que, em nossa conjuntura histórica de emergência para uma tomada de ação, são valorosos para o campo da história ambiental: 1) reconhecer a importância e necessidade de um olhar que caminhe pela interdisciplinaridade, promovendo o envolvimento entre as disciplinas, respeitando e reconhecendo suas respectivas fronteiras, caminhando na direção da interação a fim de ampliar o campo de visão da história. 2) fomentar a crescente interação internacional – tendo em vista que as problemáticas referente a meio ambiente tem que ser assistidas por todos os países – das ciências humanas e sociais através da cooperação entre os centros de pesquisas. 3) aproximar os problemas, os resultados e as soluções aos receptores – que não podem ser vistos como passivos do conhecimento alheio – afim de que possam interagir no processo que depende de todos a fim de uma maior consciência ecológica.

Não é mais contra a natureza que devemos lutar – até século XIX as formas e corpos naturais eram encaradas puramente como empecilhos a ocupação humana – mas, sim em sua defesa. A adoção de uma “paradigma de imunidade humana” (human exemptionalism paradigm) aos fatores da natureza, podem ajudar a explicar o motivo da antipatia das ciências sociais – desde suas origens – quanto a um “despertar ecológico” [6]. Seria, portanto, uma ignorância confinar e limitar as ciências sociais às pesquisas básicas e, um crime, em longo prazo ignorar sua contribuição, em um momento em que uma revolução na sensibilidade humana é tão necessária.

Avançar nas concepções das relações homem/natureza constitui uma tarefa difícil, mas de extrema necessidade. A história ambiental não pode ser encarada, portanto, como um mero movimento ambientalista no ceio da historia, um modismo passageiro e, tão pouco como uma história do ambientalismo. Em uma aplicação prática é denuncia pública? Sim, mas é também um ramo de produção do conhecimento com fundamentais reflexões e embates filosóficos e historiográficos. O que está em jogo não é a sobrevivência da história ou um simples esforço para ampliar o campo de narrativa da historiografia, mas sim, a sobrevivência da humanidade e do planeta.

NOTAS:

[1] BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Pg. 24.

[2] HUGHES, J. Donald. Ecology and Development as Narrative Themes of World History. Environmental History Review 19:1-16 (Spring 1995) Pan's Travail, London, 1994. Pg. 3

[3] WORSTER, Donald. Ed. The Ends of the Earth: Perspectives on Modern Environmental History. Cambridge; New York: CambridgeUniversity Press, 1988. Pg. 290-291.

[4] BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Pg. 17.

[5] WORSTER, Donald. "Path Across the Levee”, In: The Wealth of Nature. Environmental History and the Ecological Imagination (Oxford, 1993), p. 20.

[6] DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/84.pdf. Acesso em 5 agosto de 2009.

BIBLIOGRAFIAS:

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.

DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/84.pdf. Acesso em 5 agosto de 2009.

HUGHES, J. Donald. Ecology and Development as Narrative Themes of World History. Environmental History Review 19:1-16 (Spring 1995) Pan's Travail, London, 1994.

WORSTER, Donald. Ed. The Ends of the Earth: Perspectives on Modern Environmental History. Cambridge; New York: CambridgeUniversity Press, 1988.

WORSTER, Donald. "Path Across the Levee”, In: The Wealth of Nature. Environmental History and the Ecological Imagination (Oxford, 1993).



Você também pode ter acesso a este artigo na Rede Brasileira de História Ambiental(RBHA) e em minha página História Ambiental.

Selo de Ouro, Presente de meu amigo Dan


Meu amigo Dan, escritor, proprietário do blog Pouco de Tudo, me presentiou com este selo. Ter um trabalho reconhecido é sempre bom, por um amigo então...

As regras são: postar o link do blog que te deu o selinho e indicá-lo para outros 15 blogs.

Meus indicados são:

SÁBADO, 22 DE AGOSTO DE 2009

História Política (discutindo René Remond)




By Douguera

Eis que a história política experimenta uma espantosa volta à fortuna, cuja importância os historiadores nem sempre tem percebido. Essa é a razão de existir da obra, Por Uma História Política, de René Remond, historiador francês, especializado em história da política e das idéias da Europa contemporânea, tendo sido um dos últimos de uma sólida linhagem de intelectuais católicos.

Registrar o fenômeno de retorno da história política, medir suas causas, seu alcance e o significado, para tanto, compreender mudanças ocorridas na própria política e no espírito do historiador, é a razão de meu artigo.

Durante séculos a história política desfrutou de prestígio: no Antigo Regime, com a glória do soberano e a exaltação da monarquia; com as revoluções, a história política tinha suas atenções voltadas para o Estado e a nação, consagrando as lutas por emancipação política; chegando à democracia, as lutas partidárias e os confrontos entre ideologias políticas eram seu enfoque.

Então, eis que surge em nome de uma história total, uma geração que fez revolução na distribuição dos interesses e a primeira vítima foi à história política.

A nova história apontava para a história política e encontrava nela uma série de defeitos, acusando ela inclusive de ser uma história factual. Essa nova história viria como uma nova abordagem: dando mais ênfase as estruturas duráveis e mais reais em oposto aos acidentes de conjuntura; analisando o comportamento coletivo em contraposição das iniciativas individuais; e na longa duração em detrimento dos movimentos de fraca amplitude.

Ao privilegiar o particular, o nacional, a história política privava-se ao mesmo tempo da comparação no espaço e no tempo, limitando-se deste modo a uma síntese. Enquanto o historiador deveria interrogar o sentido dos fatos, formular hipóteses explicativas, a história política permanecia uniformemente narrativa, escrava ao relato linear. Assim suas produções se aparentavam mais com a literatura que com conhecimento científico.

Essa história caia ainda no erro do idealismo, imaginando que as vontades pessoais dirigiam o curso das coisas, levando a cegueira aos que acreditavam que as idéias conduziam o mundo, quando, de fato, as idéias não passam da expressão do interesse de grupos que se defrontam.

Factual, subjetivista, psicologizante, idealista, a história política reunia então todos os defeitos, e uma geração almejava por fim a isso, passando a história dos tronos e das dominações para a dos povos e das sociedades. A história política tradicional, ao isolar arbitrariamente os protagonistas das multidões, travestia a realidade e enganava o leitor.Marx e Freud contribuíram, cada um a sua maneira, para por fim ao prestígio da história política: Marx, fazendo a luta de classes; e Freud, pondo em plena luz o papel do inconsciente. 


Uma convergência de fatores, portanto, fez com que a história política fosse lançada pela evolução das realidades e a revolução do espírito dos historiadores, ao descrédito.

Eis que ela ressurge reintroduzindo a dimensão política dos fatos coletivos. É justamente dessa ressurreição que René Remond aponta os principais aspectos, explicitar os postulados, descrever os componentes e prolongamentos. Seria esse retorno fruto do modismo? Indaga o autor. Ou uma reflexão a mercê do conhecimento histórico?

Para compreender as razões de sua volta com plena força é necessário perceber as iniciativas que são obras de historiadores. Uma história como realidade tomada no sentido dos acontecimentos, teve papel preponderante nesse retorno da história política.

As guerras não podem ser explicadas somente pelos dados econômicos; a própria intervenção do Estado frente a uma economia liberal abre espaço e um leque de opções para a renascida história política; o desenvolvimento de políticas públicas e a relação política economia não eram de mão única; e percebeu-se que uma decisão política, quer seja para pior ou para a melhor, tem sim seu papel na modificação de um curso. A evolução, portanto, se fez no sentido da extensão, fazendo o universo político se expandir.

À medida que o poder público é levado a legislar, regulamentar, subvencionar, controlar, a produção, a exemplo de construção de moradias, do assistencialismo social da saúde pública e a difusão da cultura, setores passaram, um após o outro, para os domínios da história política. O próprio René, pela sua experiência pessoal, diz denotar uma elevação no nível de compreensão política, os cidadãos passaram a se sentirem mais membros do corpo político. O próprio desenvolvimento de um jornal político e do livro político apontam para isso. A uma constatação, nos diz o autor, de que a política está em toda a parte, responsável por tudo, o que leva a crer que detem a solução de todos os problemas.

O movimento de 1968, nos diz o autor, teve importante contribuição para conduzir o político ao primeiro plano de reflexão. Nos convém a análise de dois fatores, conjugados, que ajudam a explicar o fato de a história política ser hoje na França um dos ramos mais ativos da produção historiográfica: fator exógeno, já mencionado linhas acima e fatores internos, que seria a própria renovação causada pela discussão dos conceitos e das práticas. A história política encontrava também em seu próprio passado o que deveria se tornar.

René nos fala que, bem antes, já havia autores produzindo essa nova história política, os pré-cursores: Charles Seignobos, historiador francês, autor do livro História Sincera da Nação Francesa, já elencava problemas como a importância da sociologia eleitoral, divisões políticas, mudanças de regime, flutuação da opinião publica. André Siegfried, francês considerado o pai da geografia eleitoral, desenvolveu pesquisas para a compreensão do comportamento eleitoral. Outros nomes ainda como: Franções Goguel, Alain Lancelot, Albert Thibaudet (responsável por unir a cultura a sensibilidade), Georges Weill (esboçou antecipadamente as principais direções que a história política viria a tomar), Marcel Prélot (sugere estudar os partidos conjugando o estudo das instituições), Jean-Jacques Chevallier (contribuiu para o renascimento da história das idéias políticas harmoniosamente ao estudo das instituições). Esses autores, e outros, nos diz René, ajudam a demonstrar que a história política, até certo ponto, fora injustiçada pelas críticas.

Essa renovação também será estimulada pelo contato com outras ciências sociais e pela troca com outras disciplinas – pluridisciplinaridade. Historia política viria a beber na fonte do direito público, sociologia, psicologia social e psanálise, lingüística, matemática, informática, Cartografia e entre outras. Com a colaboração de outras disciplinas, ela encontraria um meio mais propício que as estruturas monodisciplinares das antigas faculdades.

Hoje, essa nova história política tem como satisfazer os historiadores mais exigentes em matéria de história total. Ela pode se orgulhar de se basear em uma massa documental tratada estatisticamente, a exemplo: contagem do sufrágio, resultados das disputas eleitorais e a conclusão dos debates parlamentares. No que tange a ser quantitativa a história política, a nova, está, pois, em primeiro lugar. Não há história mais total do que a participação política que se reflete na prática eleitoral.

A história política aprendeu que se a política tem características próprias, que tornam inoperante todas as análises reducionistas, ela também tem relações com outros aspectos da vida coletiva. A política, nos diz René, não constitui um setor separado, ela é uma modalidade da prática social.

Abraçando os grandes números, trabalhando na longa duração, apoderando-se dos fenômenos mais globais, essa nova história política descreve uma revolução completa, sendo assim, não pode ser taxada como um mero modismo ou um veranico de maio.

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