sexta-feira

O nazismo: a banalidade do mal


Regimes totalitários o Socialismo, soviético, e o Nazismo, na Alemanha, surgiram como grandes promessas de um mundo melhor – o socialismo com a promessa de fim da sociedade burguesa e o Nazismo com a promessa de um homem novo, superior e perfeito, a “raça ariana” – , todavia acabaram como marcos das grandes tragédias do mundo contemporâneo.
Meu objetivo aqui é olhar para o Nazismo e tentar explicar como a máquina que trucidou a vida de milhões de pessoas trabalhava. É possível acreditar em uma ideologia que tritura as vidas dos próprios semelhantes? É possível retirar da catástrofe algo de bom? Não seria melhor, como que com uma borracha, apagar e esquecer um passado tão dantesco?
OS JUDEUS
No século XIX os judeus gozavam de uma liberdade especial. Emancipação que significava igualdade e ao mesmo tempo privilégios. Era de interesse do Estado moderno conceder aos judeus certos privilégios em troca de tratá-los como um grupo especial.
Associar judeus ao Diabo e marginalizá-lo foi uma rotina dentro do discurso cristão, inserido na realidade medieval. Não podiam ser senhores, não podiam pertencer ao clero, não podiam ser servos, nem jurar vassalagem. Resumindo eram excluídos da sociedade medieval. Excluídos no campo, a maioria dos judeus foram para as cidades passando a se dedicar ao comércio e ao artesanato. Comercializar passa a ser uma profissão tipicamente judaica. Enriqueceram-se de certo.
No século XIX os judeus, em troca de seus privilégios como grupo a parte, atuaram como financiadores do Estado moderno Europeu. Não formavam uma classe e nem pertenciam a qualquer classe nos países onde viviam. E ao mesmo tempo evitavam serem assimilados a fim de guardarem a sua identidade cultural e religiosa. Uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo era também de interesse do Estado conservar os judeus como um grupo a parte evitando assim que fossem assimilados pela sociedade de classe.
Esse caráter privilegiado, somado a sua intensa relação com o Estado, somada a sua preferência em se manterem em um círculo fechado familiar foi que fomentou-se o mito de que os judeus controlavam o Estado, logo seus privilégios se explicam. E como grupos restritos e fechados, passaram a ser suspeitos de maquinarem. O banqueiro judeu, em uma sociedade marcada pela profunda contradição do sistema capitalista e a divisão da sociedade em classes, parecia estar explorando não só a mão-de-obra e a capacidade produtiva, mas também a infelicidade e a miséria do proletariado. Era a interpretação da aristocracia.
Os judeus eram vulneráveis e tinham uma ilusão muito grande quanto a sua segurança devido a sua forte relação com o Estado.
HITLER
Como que um homem que fora, em sua juventude, um vagabundo derrotado em Viena, soldado desconhecido da Primeira Guerra Mundial, líder um tanto quanto cômico de um golpe fracassado – Putsh da Cervejaria – , que desprezava os seus professores, queria ser pintor mas fracassara por vezes no exame de admissão da Academia de Belas Artes, repudiava o trabalho regular, evitando assim seguir os paços do pai no funcionalismo público, que não era se quer alemão, era um austríaco, aos 44 anos de idade fazia o juramento como chanceler do Reich alemão e movia as engrenagens que ceifaria milhões de vidas humanas?
Hitler não veio de uma família de história política, mas seu caminho foi marcado por um fanatismo político desenfreado. Era Hitler uma pessoa politizada ou um alienado de marca maior? O homem que fundou o Terceiro Reich, que governou implacavelmente e não raro com uma astúcia incomum como grande orador, conduziu um país e seus habitantes a tão estonteante altura e ao mesmo tempo a um fim tão triste.
Era, indubitavelmente, um gênio, embora que voltado para o mal. Seu fanatismo político na promessa de um futuro melhor, principalmente quanto a sua convicção da pureza de raça, fazia de Hitler um alienado.
O PODER PELA INSTITUCIONALIDADE
Hitler não deu um golpe e tomou a Alemanha de assalto. Chegou ao poder naquele país pelo viés da institucionalidade. A partir da frustrada tentativa de golpe, o Putsh da Cervejaria, Hitler passou a ter a concepção de que a tomada do poder, a revolução propriamente dita, só poderia ser possível pelo viés institucional.
A grande crise do sistema capitalista de 1929 teve um impacto muito forte sobre a Alemanha e Hitler soube muito bem manobrar a crise de modo colocar o povo a seu lado e o nazismo no poder. Hitler demonstrara seu dão como estratego: em 1923 o nazismo não tinha condições e apoio necessário para se chegar ao poder, contudo ao longo do tempo Hitler em suas manobras políticas conseguiu o apoio dos industriais e do exército; em 1929, a conjuntura da crise foi usada para mostrar ao povo alemão que estava sendo seguindo um modelo arruinado e decadente. Assim ao longo do tempo Hitler foi preparando o caminho para o poder pela institucionalidade. Primeiro se alcançaria o poder depois se fazia à revolução.
Uma vez no poder o passo seguinte seria consolidá-lo por um processo de nazificação. E o incêndio do Reichstag – espécie de parlamento – , serviu como um catalisador para a consolidação do poder, embora sua origem seja dúbia, o acontecimento desencadeou uma série de ações que iriam ajudar o nazismo a consolidar o poder:
  • Suspensão das liberdades individuais e civis;
  • Pretensa ameaça de uma revolução comunista;
  • Aprovação do ato que dá a Hitler poderes excepcionais por 4 anos;
  • Fim da federação.

A pesar da intensa propaganda nazista a respeito do risco eminente da tomada do poder pelos comunistas, não havia sinais de uma revolução comunista em ação naquele país. O incêndio do Reichstag demonstra que, embora a modo de se chegar ao poder tenha sido pela via institucional, após a conquista do poder, houve modificações, por vários artifícios com a finalidade de consolidar o poder. A revolução para Hitler passa por uma idéia de evolução. A revolução só se consumaria dentro de uma perspectiva de uma elite racial, é a questão da superioridade de raça ariana.

A VIDA NO TERCEIRO REICH
O povo alemão parecia não perceber ou se importar com a perda de sua liberdade pessoal, de sua cultura ter sido em grande parte destruída e substituída por uma barbárie, ou de sua vida e seu trabalho terem sido regulamentados a um ponto jamais experimentado. O povo alemão parecia não sentir a ditadura e pelo contrário, apoiavam o Reich na esperança de um futuro promissor.
O nazismo mostrou que não visava simples e puramente o controle das instituições, mas também objetivava controlar a vida das pessoas. Era a perda das liberdades individuais por um bem maior.
Os judeus além de expulsos foram transformados em animais: expulsos dos empregos públicos; foram afastados das práticas comerciais e industriais. Encontravam dificuldade e até mesmo impossibilidade de comprar alimentos e medicamentos. Tiveram seus direitos de ir e vir suspensos em estabelecimentos e em algumas cidades.
A nazificação da cultura teve seu maior exemplo quando livros foram queimados no dia 10 de maio de 1933, acusados de serem contrários ao Reich. Foram ainda proibida a venda e a circulação de diversas obras. Foram criadas câmaras com a finalidade de controlar a vida cultural; a arte, a literatura, o rádio, o cinema, e a imprensa deveriam ser controlados e deslocados para realizar propaganda nazista. A cultura alemã entrou em decadência.
A educação no Terceiro Reich, como Hitler pretendia que fosse, não devia ser restringida às salas de aulas abafadas e sim realizadas à maneira espartana: grupos juvenis treinados política e militarmente. Uma educação que não visava transmitir pura e simplesmente o conhecimento. Os jovens foram organizados e postos sob dura disciplina das organizações da juventude do Reich alemão.
As Igrejas Cristãs também foram alvo dos nazistas. Membros e dirigentes católicos foram presos bem como pastores de igrejas protestantes. A perseguição aos protestantes e aos católicos não dividiu o povo alemão. Um povo que havia facilmente perdido a liberdade cultural, política e econômica não iria arriscar sua vida pela liberdade religiosa. O nazismo tencionava substituir as igrejas cristã pelo antigo paganismo dos deuses tribais da Alemanha primitiva e pelo novo paganismo dos extremistas nazistas. Seria criada a Igreja Nacional do Reich. Que não significava apenas um controle da instituição, mas uma invasão às crenças das pessoas. Dentre os seus pontos mais importantes estavam: 1. A Igreja Nacional do Reich da Alemanha afirma categoricamente o direito e o poder exclusivos de controlar todas as igrejas na jurisdição do Reich: declara serem elas as igrejas nacionais do Reich alemão; 5. A Igreja Nacional se dispõe a exterminar irrevogavelmente (…) as crenças cristãs estranhas e estrangeiras trazidas para a Alemanha no malfadado ano de 800; 7. A Igreja Nacional não tem escribas, pastores, capelães ou padres, mas oradores do Reich para falar em seu nome; 8. O ariano Jesus, teria lutado corajosamente para destruir o Judaísmo e teria caído vítima na luta, assim os alemães agora estariam exortados a chegar a serem vencedores na própria luta de Jesus contra os judeus; 14. A Igreja Nacional declara que para ela, e consequentemente, para toda a nação alemã, ficou decidido que Minha Luta, do Führer, é o maior de todos os documentos. Ele (…) não somente contém a maior, mas incorpora a mais pura e verdadeira moral para a vida atual e futura de nossa nação; 18. A Igreja Nacional retirará de seus altares todos os crucifixos, bíblias e santos. Sobre os altares não deve haver nada além de Minha luta (para a nação germânica e, portanto, para Deus o livro mais sagrado) e à esquerda do altar uma espada; 30. No dia de sua fundação a cruz cristã deve ser removida de todas as igrejas, catedrais e capelas e deve ser substituída pelo único símbolo inconquistável – a suástica.
Em meio às condições desesperadoras dos agricultores alemães Hitler tratou de conquistar o apoio deles. A promulgação da lei da fazenda hereditária significou aos camponeses um retrocesso à época feudal. Quanto à recuperação econômica alemã o primeiro passo era fazer o desempregado trabalhar pela expansão das obras públicas. Mas a base real da recuperação econômica da Alemanha fora a indústria bélica. Houve ainda um controle rígido sobre o trabalho e sobre o lazer dos trabalhadores.
O JUDEU E SEU ALGOZ: COMO O MAL PODE SER TÃO BANAL
Primo Levi foi um desses poucos que conseguiram sobreviver à máquina nazista de matar. Em seu livro, “É isto um homem?”, Primo Levi dá muito mais que um depoimento de um sobrevivente dos campos de concentração nazista ele nos trás a tona uma questão muito mais complexa em seu todo: a banalidade do mal. Como que seres humanos, iguais em sua mesma espécie, foram capazes de cometer tal atrocidade? Uma experiência histórica tão cruel nos ajuda em que? As atrocidades foram tais que valeria a pena testemunhar e relembrar o horror de um campo de concentração? Não seria melhor esquecer?
Primo Levi argumenta que o projeto dos campos de concentração tinham por objetivo transformar homens em animais. Desumanizar, acabar com a existência humana.
Há em um todo do livro a preocupação do autor em compreender o ser humano, tanto do seu lado, como judeu, quanto do lado de seu algoz, o nazismo. Os que sobreviveram aos campos de concentração, nos diz o autor, foram aqueles que de alguma forma renunciaram os valores humanos e deixaram a moral ser corrompida. Que existiram bons e maus judeus, os que sobreviveram foram os maus; pois não existe como sobreviver a um campo de concentração sem renunciar a moral e os valores que nos insere na qualidade de seres humanos. Há no autor um sofrimento e uma vergonha por ter sobrevivido. Segundo o mesmo a verdadeira memória dos campos de concentração seria daqueles que morreram.
Hannah Arendt, em um dos clássicos da literatura sobre o nazismo também nos dá importante contribuição para compreender o lado dos nazistas. A autora faz uma análise do julgamento de Eichmann, homem responsável pela deportação dos judeus para os campos de concentração. O julgamento se dá no recém criado Estado de Israel, em 1961, e há toda uma crítica da autora sobre como o julgamento foi conduzido e as suas finalidades políticas.
Para o recém criado Estado de Israel o julgamento era a oportunidade de não somente colocar nos bancos réus um alemão nazista acusado de cometer crimes contra a humanidade, mas também era a oportunidade de fazer do julgamento um exemplo, uma lição para o mundo; uma tentativa de firmação do Estado de Israel como um Estado de justiça. Seria a oportunidade para os judeus colocarem no banco dos réus o próprio anti-semitismo. Todavia, Eichmann, não se enquadrou como o grande vilão da história, tentaram transformar essa figura trágica em um personagem que personificasse o mal, mas o mesmo não se adequou ao papel.
Qual crime Eichmann cometeu? Ele se declarava inocente, pois estava apenas cumprindo ordens, cumprindo as leis de Hitler a ordem vigente de seu país naquele contexto.
A justiça para tal atrocidade então dependeria da perspectiva moral e do ponto de vista de quem está olhando para aquele passado: para Eichmann, dentro da perspectiva e da moral do Terceiro Reich ele era inocente, estava apenas cumprindo as ordens do regime, as ordens de Hitler e o objetivo era bom, era maior.
O que há, de fato, é uma completa inversão de valores para os nazistas eles estavam fazendo o bem, para os judeus eles estavam cometendo um crime contra a humanidade.
Hannah destaca ainda a participação dos próprios judeus na máquina nazista, a exemplo das deportações. Assim quem e o lobo e quem é o cordeiro? Os judeus, eles mesmos, colaboraram – a exemplo delatando famílias em questões locais, entregando o visinho ou auxiliando mesmo na logística e organização do transporte dos seus iguais –  para o próprio extermínio quer seja pela não reação, quer seja pela participação direta e indireta das engrenagens da máquina. Sem a colaboração das próprias vítimas não teria sido possível a matança de tantas pessoas.
No final o julgamento revela uma tragédia que é a questão da inversão total de valores. Mostra que “qualquer um” ser humano pode chegar à condição de genocida em um contexto de efervescência política ideológica.  Os nazistas provocaram muito mais que o colapso na moral da respeitada sociedade europeia. Os judeus foram muito mais do que corpos empilhados, a exemplo do que vemos em fotos preto e branco. Há muito mais peças na engrenagem que move a história, que move o homem e que deve ser compreendida como um todo sem se lançar a mera contradição do maniqueísmo preto e branco; bem e mal. A história do nazismo nos revela essa contradição dos ditos valores humanos: o bem maior nos parece como o mal maior.
Bibliografia
ARENDT,  Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens  Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 (1ª ed, norte-americana 1963).
ARENDT, Hannah. O sistema totalitário. Tradução de Roberto Raposo. Lisboa: Dom Quixote, 1978 (1ª ed. Norte americana 1951).
LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi Del Re. Tio de Janeiro: rocco, 1988 (1 ed. Italiana 1947).
SHIRER, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich. Vol. 1: Triunfo e consolidação (1933 – 1939). Tradução de Pedro Pomar. Rio de Janeiro: Agir, 2008 (1ª ed. Norte-americana 1960).

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE MAIO DE 2011

Código Florestal Brasileiro uma discussão polarizada: o povo brasileiro está perdido na selva




Por Douglas Barraqui 

“O Brasil não tem povo, tem público”; mais uma vez eu tenho que me deixar concordar com o axioma de Lima Barreto. O substituto do Código Florestal brasileiro, projeto 1.876/99 do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), contempla uma polarização da discussão quanto ao destino de nossas florestas. Ao povo brasileiro nada foi apresentado de concreto e assim não se houve o mesmo.

Maior proteção ambiental ou maior produtividade rural? É o “ser ou não ser” que polariza essa discussão sobre o substituto do Código Florestal. De um lado estão os ambientalistas que defendem o aperto do cerco aos ruralistas do mal. De outro está o agrobusiness que levantam a bandeira pelo desenvolvimento do agronegócio no Brasil. Teoricamente o discurso do desenvolvimento sustentável seria o interlocutor capaz de unir ecologistas, ruralistas e a sociedade, só que na prática isso não está ocorrendo.   

A Lei N.º 4.771 de 15 de setembro de 1965, mais conhecida como Novo Código Florestal Brasileiro,  trata das florestas em território brasileiro e demais formas de vegetação, define a Amazônia Legal, os direitos de propriedade e restrições de uso para algumas regiões que compreendem estas formações vegetais e os critérios para supressão e exploração da vegetação nativa. A Lei N.º 4.771 é chamada de “Novo Código Florestal” porque em 1934 já havia sido aprovado o “Código Florestal” (Decreto n.º 23.793) que, no entanto, não deu certo devido às dificuldades para sua implementação. Ao decorrer dos últimos 40 anos essa lei sofreu uma série de intervenções no seu texto original, hora beneficiando ruralistas ora aplaudida por ambientalistas. 

Um estudo Coordenado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) apontam para algumas falhas do projeto e como está sendo apresentado não é benefício nem para o meio ambiente e nem para a produção rural e menos ainda para o povo brasileiro. A pesquisa aponta que a proposta de redução das áreas de reserva legal, contida no substitutivo, ampliaria os riscos de extinção de espécies, além de comprometer os serviços ambientais obtidos a partir dessas porções de terra preservadas. A proposta contida no relatório apoiado pelos ruralistas, que prevê a diminuição das áreas de preservação permanente (APPs) às margens de rios e em topos de morro, “representaria grande perda de proteção para áreas sensíveis”, segundo o documento divulgado pelos cientistas. 

 O estudo foi resultado de 10 meses de trabalho de cientistas, professores e pesquisadores de instituições como SBPC, ABC, Inpe, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e diversas universidades.
O projeto do deputado federal Aldo Rebelo é uma tentativa, tida para muitos como bem intencionada, de acabar com a vigência de uma série de legislações introduzidas no texto original de 1965. Todavia, o projeto, em fase de discussão e indo para a votação na Câmara Federal, não foi contemplado pelo povo brasileiro. Minha opinião como cidadão brasileiro e como pesquisador no campo da história ambiental e que esse projeto não deve ser votado enquanto o Governo Federal não fizer, por decreto lei, o Zoneamento-Econômico-ecológico. [1] E antes ainda da população brasileira, após ser apresentado todos os dados, ser ouvida por um referendo.

É óbvia a necessidade de que, antes de preservar, ou, conservar ecologicamente o território do Brasil, há que se conhecer, através do Zoneamento, as áreas que poderão, ou, não, serem preservadas, ou, conservadas. Para não se estancar o aproveitamento econômico das partes férteis do território brasileiro. 

Enquanto a bancada governista, representado pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wagner Rossi, busca a construção de um consenso e tentam um acordo entre as partes, o povo brasileiro permanece letárgico e lançado à morosidade. Fico a torcer para que prevaleça o bom senso embasado em dados científicos e para que a povo brasileiro assista o destino de nossas florestas.  Só assim há de se edificar um caminho sustentável propriamente dito.

 Nota:
[1] O Zoneamento Econômico Ecológico é um instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, de âmbito territorial, que subsidia o governo com bases técnicas para definir os diversos usos do território, de forma a promover o desenvolvimento sustentável e ordenado, combinando crescimento econômico com equilíbrio ambiental. O ZEE orienta os planos de ordenamento territorial, que definem, por exemplo, que atividade (agricultura, indústria etc.). 

Bibliografias Consultadas:
AHRENS, Sergio. O novo Código Florestal Brasileiro. Disponível em. Acesso em 02 de maio de 11.

SÁBADO, 12 DE MARÇO DE 2011

Os olhos da história sobre o Hino Nacional Brasileiro: Uma análise crítica


Por Douglas Barraqui

O Hino Nacional Brasileiro, cantado – ou pelo menos se tenta cantá-lo - nos jogos de futebol ou em solenidades específicas, é muito pouco conhecido em sua totalidade historiográfica e, por sua complexidade de significados simbólicos, é incompreensível aos ouvidos dos brasileiros. Um Hino Nacional que deveria ser um instrumento patriótico, um patrimônio linguístico e semiológico da nação acaba por ter sua letra decorada como uma tabuada, e de forma precária, pelos filhos de sua pátria.

Comprado por cinco contos de reis pelo então presidente da república Epitácio Pessoa, os direitos plenos sobre a letra do hino foram garantidos pelo decreto de nº 4.559 de 21 de agosto de 1922. Originalmente a música fora composta em 1831, para ser tocada em banda, pelo maestro Francisco Manuel da Silva e se chamava “Marcha Triunfal”.  Tornou-se muito popular por conter versos que comemoravam a abdicação de D. Pedro I. Posteriormente sua letra foi alterada por Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva e a composição, devido à popularidade, era extra-oficialmente considerada como o Hino Nacional Brasileiro. Na República abriu-se concurso para oficializar o Hino Nacional, quem ganhou foi Leopoldo Miguez. Todavia, a versão de Francisco Manuel da Silva era muito popular entre os brasileiros que se recusavam em cantar o novo hino ("Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós!..."). Assim a composição de Francisco foi oficializado por Deodoro da Fonseca, então primeiro presidente, como Hino Nacional Brasileiro e a letra de Leopoldo Miguez passaria a ser o Hino da Proclamação da República.

Joaquim Osório Duque Estrada, jornalista carioca, crítico literário, integrante da Academia Brasileira de Letras, copos a letra para o Hino Nacional tendo ela sido oficializada durante o centenário da Proclamação da República em 1922. A letra então foi comprada por Epitácio Pessoa em 21 de agosto do mesmo ano.

A letra original é a seguinte:
I

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o Sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Se o penhor desta igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!

II

Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao Sol do Novo Mundo!

Do que a terra mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques tem mais vida,"
"Nossa vida" no teu seio "mais amores".

Ó pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula
- Paz no futuro e glória no passado.

Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!

Como devemos olhar o Hino Nacional com os olhos da historiografia? Devemos julgar sua fidelidade aos fatos históricos? Devemos fazer uma analise semiótica, ou seja, da linguagem conforme sua origem?  Pois bem: a princípio quando lemos à letra do Hino Nacional, percebemos um vocábulo demasiadamente complexo com palavras de difícil pronuncia e significados. Para uma sociedade, do início do século XX, com elevado grau de analfabetismo, a dificuldade semântica das palavras dava ao Hino Nacional uma grande falta de clareza. Logo, o mesmo não foi composto com intuito lançar uma ideologia sobre os brasileiros. Se este era o objetivo o Duque Estrada ficou pelo caminho. Observe nos versos abaixo a falta de clareza:

"Brasil, um sonho intenso, um raio vívido",
"Se em teu formoso céu, risonho e límpido",
"Fulguras, ó Brasil, florão da América",
“'Nossa vida' no teu seio 'mais amores' ";
"O lábaro que ostentas estrelado e diga verde-louro desta flâmula".

Por ser um cântico pátrio, sua letra deveria ser fácil e de memorização prática o que facilitaria sua reprodução. Todavia, a letra do Hino gera um fenômeno muito comum e ao mesmo tempo criticado pelos mais patriotas: o de que o povo brasileiro, em uma boa parcela, simplesmente não sabe cantar o Hino de sua pátria. A complexidade da letra do Hino acaba indo em direção contrária ao sentimento de nacionalismo brasileiro.

Com ajuda do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa observe como os versos do Hino podem ser, em até certo ponto, incompreensíveis para grande maioria dos brasileiros:

“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas”
Plácidas: serenas, tranquilas;

“De um povo heróico o brado retumbante
Brado: grito;
Retumbante: que retumba, refletir ou repetir com estrondo;

E o Sol da liberdade, em raios fúlgidos”
Fúlgidos: brilhantes;

“Se o penhor desta igualdade”
Penhor: garantia, prova;

“Brasil, um sonho intenso, um raio vívido”
Vívido: luminoso, brilhante;

“Se em teu formoso céu, risonho e límpido,”
Límpido: claro;

“A imagem do Cruzeiro resplandece.”
Resplandece: brilha;

“És belo, és forte, impávido colosso,”
Impávido: destemido;
Colosso: agigantado, descomunal;

“Fulguras, ó Brasil, florão da América,”
Fulguras: brilha;
Florão: Objeto circular, em forma de flor, em uma abóbada;

“Do que a terra mais garrida,”
Garrida: (incógnita – o que pode ser encontrado é somente a definição de sineta, pequeno sino);

“O lábaro que ostentas estrelado,”
Lábaro: estandarte dos exércitos romanos
Ostentas: mostrar, exibir;

“E diga o verde-louro dessa flâmula”
Flâmula: bandeira estreita;

“Mas, se ergues da justiça a clava forte,”
Clava: pau pesado, utilizado como arma.

São uma média de dezesseis palavras de elevado grau de compreensão que até mesmo para a pessoa mais letrada pode oferecer dificuldade. Com um olhar mais aguçado podemos perceber ainda a redundância em duas duplas de versos:


"E o Sol da liberdade, em raios fúlgidos/Brilhou", quer dizer: os raios brilhantes brilharam.

“Gigante pela própria natureza / És belo, és forte, impávido colosso", quer dizer: que é gigante pela própria natureza, é belo, é forte, gigante destemido.

Partindo para uma analise da fidelidade do Hino aos fatos históricos, a letra carrega consigo uma série de distorções da verdade ou pode ter sido assim composto para ocultar algumas verdades, veja:
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante”

O tão famoso Grito do Ipiranga teria sido desferido por D. Pedro I em uma viagem de retorno da cidade de Santos, as margens do Rio Ipiranga. O trecho nos remete ao uma idéia de um povo que lutou e esteve envolvido diretamente no processo de emancipação do Brasil. Todavia, com uma boa leitura de Estilaque Ferreira Santos, Manoel Oliveira Lima, bem como de outros autores, percebemos que o povo brasileiro em sua totalidade esteve letárgico aos acontecimentos, ou seja, o povo não participou diretamente do processo de emancipação.

“E o Sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.”

A emancipação ocorreu de fato para as elites que se viram livres das amarras econômicas e políticas de Portugal antiga metrópole. A emancipação do Brasil foi em primeiro momento reconhecida pelos EUA, calcada na Doutrina Monroe da “América para os americanos” e graças a tutela da Inglaterra que fez  o empréstimo ao Brasil de dois milhões de libras para pagar a indenização à Portugal.

“Se o penhor desta igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,”

A desigualdade social no Brasil é uma problemática anacrônica e de raízes históricas profundas. Se hoje ela é tão presente, imagine no início do século XX, quando negros, indígenas, mulheres e analfabetos foram deixados a margem da primeira carta constituinte republicana. Essa suposta igualdade que conseguimos conquistar com braços fortes, remete a idéia de um processo de ruptura pautado por lutas sociais com ampla participação popular quando na verdade, diferentemente do que ocorreu nos processos de independência da América inglesa e espanhola, nossa independência foi pacífica e com participação popular anulada. Alguns casos reacionários isolados no norte e nordeste, mas nada que se demonstrasse um conflito com o povo brasileiro amplamente engajado.

“Mas, se ergues da justiça a clava forte,”

Ao longo de sua história o Brasil passou por 8 Cartas Constituintes e só foi conhecer a democracia na última documento de 1988. Em contra partida os EUA possuem apenas uma Carta, aprovada pela Convenção Constitucional da Filadélfia de 1787. A Constituinte dos EUA está longe de ser um exemplo de leis fundamentais para um país, todavia, o Brasil passou por turbulentas transições políticas ao longo de sua história e ainda sim as leis de nossos país não são aplicadas da mesma forma para todos. Leis que geram interpretações dúbias, criticadas por juristas pela sua ineficiência, morosidade e falta de imparcialidade.

CONCLUSÃO

É nítida a intenção de engrandecer a pátria, mostrar sua força, beleza e união em Hinos oficiais de outros países. Esta também foi à intenção do Hino Nacional do Brasil, todavia, fruto de um concurso, ele acabou por destoar da verdadeira história do país.

Devemos ainda salientar que a complexidade linguística na letra do Hino se deve a conjuntura do fim do século XIX e início do século XX,  contexto de grande efervescência positivista e romântica. Complexidade esta que acaba por dificultar sua compreenção.

Muito embora sua obrigatoriedade, desde 2009, nas escolas públicas e particulares de ser cantado pelo menos uma vez por semana, os dois fatores mencionados fazem com que o Hino brasileiro seja pouco conhecido em sua totalidade. Para muitos é considerado um Hino muito belo desde sua melodia a sua letra. Para outros, mais conhecedores da história do Brasil, gera polêmicas e críticas. E querendo, ou não, é um dos símbolos de nossa pátria amada Brasil.

Bibliografias:

SANTOS, Estilaque Ferreira dos. A monarquia no Brasil: o pensamento político da independência. Vitória, ES: EDUFES, 1999. 335p. - (CEG Publicações ; n.4)

LIMA, Manoel Oliveira. O movimento da independencia: 1821-1822. Sao Paulo: Melhoramentos, 1922.

DECRETO N. 4.559 – DE 21 DE AGOSTO DE 1922. Disponível em:http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=31461. Acesso em 12 de março de 2011.

Lei que trata dos Símbolos Nacionais, entre eles o Hino Nacional. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5700.htm. Acesso em 12 de março de 2011.

TERÇA-FEIRA, 8 DE MARÇO DE 2011

As palavras de um veterano da guerra: por um mundo melhor

Meus caros leitores o que lerão abaixo não é somente um depoimento de um soldado ferido no front de batalha de uma guerra e decepcionado com seu país. Antes de tudo é um depoimento lúcido, que mostra uma realidade que está escancarada para todos que quiserem ver a barbárie da ocupação do Iraque.

A fachada é o discurso de levar a democracia ao mundo. Como se democracia fosse a melhor forma de governo para povos de culturas tão distintas ou como se eles pedissem a democracia. A verdadeira face do conflito, nas palavras do veterano de guerra Mike Prysner, é o preconceito racial. Uma manobra opulenta que coloca oprimidos de uma país contra oprimidos de outro país.  

Mike Prysner, assim como outros veteranos de guerra, assumiram publicamente sua indignação e revolta contra a ocupação do Iraque. Seu relato nos mostra que os EUA “comercializam guerras” em troca de petróleo em troca de altas cifras.

Leiam por favor:

“Eu me esforcei para ter orgulho do meu serviço, mas tudo o que conseguia sentir era vergonha. O racismo não podia mais mascarar a realidade da ocupação. Eles eram gente, eram seres humanos. Desde então passei a sentir culpa toda vez que via homens idosos, como o que não podia andar e carregamos numa maca até que a polícia iraquiana pudesse levá-lo. Sentia culpa toda vez que via uma mãe com suas crianças, como a que chorava histericamente, gritando que nós éramos piores que Saddam enquanto a obrigávamos a sair de sua casa. Eu sentia culpa toda vez que via uma garota jovem, como a que eu agarrei pelo braço e arrastei para a rua.
Disseram-nos que lutaríamos contra terroristas. O verdadeiro terrorista era eu. E o verdadeiro terrorismo é essa ocupação. O racismo nos militares tem sido, durante muito tempo, uma ferramenta importante para justificar a destruição ou ocupação de outro país. Tem sido usado muito tempo para justificar a morte, subjugação ou tortura de outro povo. Racismo é uma arma vital usada por esse governo. É uma arma mais poderosa que um rifle, um tanque, um bombardeiro ou um navio de guerra. É mais destrutivo do que um projétil de artilharia, um anti-bunker ou um míssil Tomahwk. Apesar de nosso país fabricar e produzir essas armas, elas são inofensivas sem pessoas dispostas a usá-las.
Aqueles que nos mandam para a guerra não têm de apertar um gatilho ou lançar morteiros. Eles não precisam lutar na guerra, sua função é vender a guerra. Precisam de um público que esteja de acordo em mandar seus soldados para o perigo. Precisam de soldados dispostos a matar e serem mortos sem questionar. Eles podem gastar milhões em uma simples bomba, mas essa bomba só se torna uma arma quando as divisões militares estão dispostas a seguir as ordens de usá-la. Eles podem mandar um soldado a qualquer parte da Terra, mas só haverá guerra se um soldado concordar em lutar.
E a classe dominante, de bilionários que lucram com o sofrimento humano, se preocupam somente em expandir sua riqueza, em controlar a economia mundial. Compreendam que seu poder consiste somente na habilidade de nos convencer de que a guerra, a opressão e exploração são de nosso interesse. Eles sabem que a riqueza deles depende da habilidade de convencer a classe operária a morrer para controlar o mercado de outro país. E nos convencer a matar e a morrer, é baseado na habilidade deles de nos fazer pensar que somos, de alguma forma, superiores.
Soldados, marinheiros, marines, aviadores, não têm nada a ganhar com essa ocupação. A grande maioria das pessoas vivendo nos Estados Unidos não tem nada a ganhar com essa ocupação. Na verdade, nós não somente temos o que ganhar, como sofremos mais por causa disso. Nós perdemos membros e damos nossas vidas de forma traumática. Nossas famílias têm que ver caixões com bandeira descendo a terra. Milhões nesse país sem assistência médica, trabalho ou acesso à educação, e nós vemos o governo gastar 450 milhões de dólares por dia nessa ocupação. Pessoas pobres e trabalhadoras desse país são mandadas para matar pessoas pobres e trabalhadoras de outro país e fazer os ricos mais ricos.
Sem o racismo, os soldados perceberiam que têm muito mais em comum com o povo do Iraque do que com os bilionários que nos mandam para a guerra. Eu joguei famílias para a rua no Iraque, mas somente para chegar em casa e encontras famílias jogadas às ruas nesse país, nessa trágica e desnecessária crise imobiliária.
Devemos acordar e perceber que nosso verdadeiro inimigo não está em alguma terra distante e não são pessoas cujo nome não conhecemos ou não entendemos a cultura. O inimigo é gente que conhecemos muito bem, e que podemos identificar. O inimigo é uma corporação que nos despede de nosso trabalho quando é lucrativo; é uma companhia de seguros que nos nega assistência quando é lucrativo; é o banco que toma nossas casas quando é lucrativo. Nosso inimigo não está a 5 mil milhas de distância, está bem aqui. Se nos organizarmos, e lutarmos juntos com nossos irmãos e irmãs, nós podemos parar essa guerra, nós podemos parar esse governo, e nós podemos criar um mundo melhor.”

Mike Prysner


SEXTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2011

O Poço e o Pêndulo



“Impia tortorum longos hic turba furores
Sanguinis innocui, non satiata, aluit
Sospite nunc patria, fracto nunc funerisantro,
Mors ubi dira fuit vita salusque patent.”
 
“Aqui, a multidão ímpia dos carrascos,insaciada, alimentou sua sede violenta de sangue inocente. Agora, salva a pátria, destruído o antro do crime, reinam a vida e a salvação onde reinava a cruel morte.” (N. do E.) (Quadra composta para as portas de um mercado a ser erigido no terreno do Clube de Jacobinos, em Paris.)

Recentemente, tive a oportunidade de assistir o filme O Poço e o Pêndulo, inspirado no conto de Edgar Allan Poe, que viveu na primeira metade do século XIX, considerado por muitos como um dos mestres precursores da literatura de ficção científica e fantástica modernas. 

O Poço e o Pêndulo foi adaptado por duas vezes para o cinema. Uma primeira vez em 1961 e a última em 1991. Nesta última, a produção é da Full Moon, dirigida por Stuart Gordon e com roteiro escrito por Dennis Paoli. 

A Espanha no contexto da Inquisição é o cenário para trama que conta a história de um casal vivido pelos atores Jonathan Fuller e Rona de Ricci que tiveram o infeliz destino de cair nas mãos do famoso inquisidor Tomás de Torquemada, vivido brilhantemente pelo ator Lance Henriksen. De fato Torquemado, “O Grande Inquisidor” como foi conhecido, foi o inquisidor geral dos reinos de Aragão e Castela durante o século XV, bem como confessor da rainha Isabel a Católica. 

Não é minha intenção aqui contar-lhe o filme, tão somente fazer um prelúdio. O filme é muito bem ambientado. Tem lá suas lacunas em âmbito historiográficos, mas nada que prejudique o trabalho. Pode ser muito bem utilizado para trabalhar com alunos no estudo da Inquisição no medievo.  

SÁBADO, 26 DE FEVEREIRO DE 2011

A História do carnaval: "domesticaram Dionísio"

Por Douglas Barraqui

Bem, como está próximo um dos festejos mais populares das terras tupiniquins, o carnaval, resolvi por fazer uma releitura e republicar um antigo artigo meu. Em A História do Carnaval: domesticaram Dionísio, faço um breve tracejo da história do carnaval com o ar da graça e com a mesma irreverência de um folião atrás do trio. Narro aqui os fatos de forma descontraída e desinibida sem muitas amarras formais, mas é claro, sem romper com meu relacionamento com a ciência, logo me respaldo de outros autores, e se eles erraram em algum momento o problema é deles. 



“Ah! Classe média! Nos anos cinqüenta ela foi se aproximando de mansinho, temerosa, espichando um olhar comprido para os ensaios dos crioulos. Nos anos sessenta, já mais desinibida, ensaiou seus primeiros passos: no princípio em torno das mesas, depois no meio da quadra (por esses tempos começou a chegar também o pessoal do wonderful, marcelous, fantastic). Nos anos setenta, ela (a classe média) está entrando de sola, consumando a invasão, dando palpites, criando suas alas. Possivelmente nos anos oitenta, se os crioulos não tomarem cuidado, domingo de carnaval vão ficar sentados nas arquibancadas enquanto a classe média faz suas evoluções pela Via Dutra. Sim, porque até lá a Avenida já ficou pequena.” (“Revolução Carnavalesca da Classe Média”, descrita por Novais, na crônica, Gloria às Pastoras e à Bateria, do livro O Caos Nosso de Cada Dia.)

E realmente, sem nenhuma bola de cristal, Carlos Eduardo Novaes, em uma de suas crônicas do livro O Caos Nosso de Cada Dia, escrito ainda na década de setenta, acertou na mosca: O carnaval brasileiro, a festa popular de rua mais famosa do mundo, ou melhor dizendo, a festa de rua mais pop do mundo, foi tomada de assalto pela classe média e hoje se o crioulo precursor do carnaval quiser apreciar o festejo vai ficar espremido nas arquibancadas e pagar bem caro por isso. 

Errou feio quem achou que o carnaval é genuinamente “made in brazil”. Embora não há como comprovar empiricamente o nascimento do carnaval, sabemos que a 10.000 a.C. homens, mulheres, crianças, (sogras, cachorros, gatos e papagaios) se reunião no verão de corpos pintados, caras mascaradas, pulando e cantando para espantar os demônios da má colheita. Poderia ser a origem do carnaval? Quem sabe?!.

Outros ainda buscam o carnaval nas áridas terras dos faraós. No Egito homens celebravam cultas a deusa Isis e ao Touro Apis, celebrações que alguns pesquisadores denominam de “cultos agrários” (e penso que não seria nada fácil arrastar um carro alegórico de três toneladas em um calor escaldante de quarenta graus no meio do deserto).

Os principais cultos agrários da história foram:
· No Egito, festa da deusa Ísis e do boi Apís;
· Na Pérsia, festas da deusa da Fecundidade Naita e de Mira, deus dos Pastores;
· Na Fenícia, Festa da deusa da Fecundidade Astarteia;
· Em Creta, festa da Grande Mãe, deusa protetora da terra e da fertilidade, representada por uma pomba;
· Na Babilônia, as Sáceas, festas que duravam cinco dias e eram marcadas pela licença sexual e pela inversão dos papéis entre servos e senhores, e pela eleição de um escravo rei que era sacrificado no final da celebração;

E quem sabe não tenha sido aqueles filósofos (pederastas gregos) os inventores do carnaval? O fato é que foi Pisistrato, governador e tirano de Atenas, (561 – 556 / 546 – 527 a.C.) que teria sido responsável por tornar oficial o Culto a Dionísio, deus do Vinho da alegria (e algo mais). Incentivou o culto entre camponeses e lavradores (os mesmos adentrarem no mundo do alcoolismo, aqui surge, portanto os primeiros alcoólatras sendo estes adoradores de Dionísio). Procissões dionisíadas, pelo qual embarcações com rodas (os primeiros carros anfíbios da história), chamados de carrum navalis, levavam a imagem de Dionísio, simbolizando sua chegada em Atenas pelo mar. Os carros carregavam homens e mulheres nús em seu interior, e eram seguidos por uma multidão frenética de mascarados alegres, que por sua vez puxavam um touro que posteriormente seria sacrificado. O fim da procissão era no templo de Lenaion, onde se consumava a hierogamia: o casamento do deus com a Polis (e que festão).

Os louvores a Dionísio se arrastavam de dezembro a março, nas seguintes celebrações: as Lenias, as Dionísias urbanas também chamadas de grandes Dionísias, as Antestérias e as Dionísias Rurais (e só não se arrastava mais porque já estavam todos em coma alcoólico). O culto a Dionísio já existia a uns 3 ou 3,5 mil anos atrás, significava uma oportunidade às mulheres para escaparem da vigilância dos pais, dos irmãos (e é claro do maridão, veja que o dom das mulheres em darem suas escapadelas já é bem antigo do que se pensava). Em bandos, com os rostos pintados de pó e com vestes transformadas e literalmente rasgadas, elas caiam na “folia” em meio a danças e gritos de júbilo em um estado de frenesia, eram chamadas de coribantes. Os homens (descontentes em terem que ficar em casa cuidando dos filhos) logo deram um jeito de aderir ao levante feminino, em uma bebedeira coletiva (a uma espécie de salve-se quem puder pansexualista).

Então, quando a hegemonia de Atenas começa a ser carcomida pelas constantes guerras civis, isso a partir do século IV a.C. já se pode sentir (literalmente) a penetração do culto a Dionísio dentro de Roma, (os romanos, descendentes daqueles meninos que mamaram na teta da loba, achariam muito bacana toda aquela bagunça, e deram o nome de bacanais). Em terras romanas Dionísio era mais conhecido como Baco e suas sacerdotisas eram chamadas deBacchantes

Em meio a gritarias e escândalos uma multidão demasiadamente enlouquecida dançava, pulava, tomavam as ruas, causando uma verdadeira desordem ao ponto de o Senado Romano proibir os Bacanais em 186 a.C. (e isso não foi nada bacana por parte do Senado). Estes festejos também eram teatralizações coletivas, uma maneira irreverente de criticar os governantes corruptos (aqui sim se explica o porquê de terem sido proibidos). Em uma inversão de papéis o miserável vestia-se de rei, o rico de pobretão e o libertino aparece como guia religioso. Os tidos como machos viris se vestiam de mulher e a rameira local pousava como a mais pura donzela (não mudou muito hoje: o carnaval está cheio de homens que se vestem de mulheres, mulheres vestindo-se de homens, uns acabam gostando tanto das fantasias que resolvem ficar o ano todo com elas e tem ainda aqueles que nem precisam se fantasiar).

Ainda fundamentada no ascetismo, lá dos tempos dos senhores feudais, a civilização judaica e os Católicos condenam e renegam o carnaval (se pudessem queimar todos os foliões na fogueira da Santa Inquisição, fariam de bom gosto e as escolas de samba não teriam um passista se quer), todavia, no século XV, o Papa Paulo II, permitiu a realização de bailes de máscaras em frente a seu palácio, na Via Lata. Como a Igreja não tolerava qualquer tipo de manifestações sexuais e bebedeiras, o carnaval adquiriu nova forma: parecia um desfile de pessoas fantasiadas, tudo cercado por um ar de deboche e morbidez (os nobres esbanjando o luxo exacerbado de suas fantasias, realizavam bolões entre si para saberem quem é o nobre que está por de trás de cada máscara: seria o Duque de Sforza? Seria a Condessa de Barral? Ou Marques de Pombal?). O carnaval se limitava, portanto, a celebrações ordeiras, de caráter artístico, com bailes e desfiles alegóricos.

Friedrich Nietzsche (1844 – 1900 depois de J.C.), filósofo alemão, na obra O Nascimento da Tragédia, fez um excelentíssimo estudo a respeito de Dionísio e Apolo. Segundo Nietzsche a arte se torna a única justificativa plausível para o sofrimento do homem, por isso ele combate a moral cristã que lhe parece fruto do ressentimento de frustrados (foi trágico para Nietzsche, que provavelmente foi visto pela igreja como um ateu de marca maior).

Jose Guilherme Merquior, filósofo, sociólogo e escritor (ele também escrevia), diz em sua obra, Saudades do Carnaval

“É fácil calcular a intensidade dos inconvenientes dessa atitude anti-natural quando a civilização racionalizada da Idade Moderna suprimiu justamente os pulmões carnavalescos da cultura. O Cristianismo da sociedade industrial, a religiosidade do tempo de Nietzsche não só havia negado e sufocado toda válvula orgiástica - toda composição sistemática com erros e carisma - como virara franca ideologia da sublimação ressurgida das massas aburguesadas , era nesse contexto, que a moral da renúncia significa repressividade absoluta, e repressividade doentia, “indecorosa” para usar a expressão do anti-cristo. O ascetismo vitoriano, a serviço da massificação repressiva, da 'redução à mediocridade', de todas as dimensões morais do homem eis o que levou Nietzsche a um desmascaramento indignado do cristianismo”. 

(Então você diz: “não entendi nada”. Eu digo: “eu também li três ou quatro vezes para entender”, mas em fim, Jose apenas está dizendo que a sociedade cristã, moderna e industrial censurou o Carnaval de forma repressiva, trocando em miúdos: chega de bacanais e orgias. E foi o que fez Nietzsche ficar indignado com o cristianismo provavelmente ele gostava muito de bacanais e orgias).

No Brasil o carnaval chega em 1723 (como sempre as coisas chegam por aqui com atraso), recebendo o nome de Entrudo, isso por influência dos lusitanos das Ilhas de Madeira, Açoures e Cabo Verde. Constituíam-se de destrambelhadas correrias, mela-mela de farinha, água com limão (isso parece limonada) que evoluiu depois para batalhas de confetes e serpentinas (não seria um aniversário de criança?).

O tal Entrudo, que vem do latim Intruitus, faz referência às solenidades litúrgicas da Quaresma. Um primogênito, herdeiro das bacantes e das dionísias, podia ser um intruso em terras tupiniquins, mas os colonos imediatamente aderiram ao festejo, como um momento imperdível e esta se tornou a festa mais popular do Brasil (Pode perguntar no exterior:you know Brasil? “Yes football, Carnival”).

Os primeiros blocos de carnaval e os famosos corsos só vão surgir no século XIX. Como (instituto educacional) escola de Samba somente em 1928 (depois de J.C.), com a Deixa Eu Falar, no Bairro do Estácio. O jornal Mundo Esportivo promovia na Praça Onze, em 1930, o primeiro desfile de escolas de samba (que com a intervenção da polícia acabou em um desfile de pancadaria). "E a Deixa Eu Falar falou, mas não por muito tempo". No desfile de 1932 a escola montou um enredo a fim de homenagear o movimento político que levara Getúlio ao poder (aquela dita Revolução de 1930), o enredo chamava-se Revolução de Outubro (e a polícia, novamente ela, especialista em história das revoluções, desconfiou que a que a história se referia a outra revolução, uma ocorrida em 1917 em um país “onde o Rei Momo atendia pelo nome de Czar), e bem disse Novaes: “e não deixaram mais a Deixa Eu Falar falar”. O carnaval, afinal é fundamental que seja lembrado, teve seu próprio mártir, seu apelido Caqueira, compositor da Lira e Amor, morreu enforcado em cima do caminhão da escola em 1947 (quase um Tiradentes). 
Entrudo Ruado Ouvidor 1884
O carnaval cresceu, de forma tão vertiginosa, que acabou se tornando um produto de nossa cota de exportação, surgindo até os carnavais fora de época às famosas micaretas: em Fortaleza é chamado de Fortal; em Natal, o Carnatal (se papai Noel souber disso?!); em João Pessoa, a Micaroa; Campina Grande, Micarande; em Maceió, Carnaval Fest; em Caruaru, o Micarú, todos com a presença indispensável do trio elétrico (que na verdade é um só). “E ninguém ficará surpreso se amanhã, na relação das vinte maiores empresas brasileiras, aparecer o nome da Mangueira”. 

Um dito popular brasileiro diz que o ano só começa depois do carnaval e não deixa de ser verdade. No carnaval o povo esquece de tudo: da roubalheira na política, do reajuste dos deputados de 61%, da crise ambiental, dos filhos e por ai vai. Brasileiro não sai na rua para protestar ou pedir um aumento digno do salário mínimo, mas sai na rua atrás de um trio elétrico gastando todo seu mísero salário com abadas; fica o ano todo pagando chega até ser cômico.  E alguns dizem que com todas as mudanças ao decorrer da história e intervenções de uns e outros, o Carnaval caiu na mesmice. Não há mais as safadices e irreverências de outrora: “domesticaram Dionísio!”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário